O Níger e a Nigéria, situados na África subsariana não são o mesmo país. O Niger, que fica ao norte da Nigéria e não tem acesso ao mar, faz fronteira com a Líbia a nordeste, o Chade a leste, a Nigéria e o Benim ao sul, Burkina Faso e Mali a oeste, e a Argélia a noroeste. 

No dia 26, o auto-intitulado Conselho Nacional para a Proteção do País, dirigido pelo comandante da guarda presidencial, Colonel Amadou Abdramane, anunciou na televisão nacional a detenção do presidente Mohamed Bazoum, o encerramento das fronteiras e instauração do recolher obrigatório. A justificação para o golpe foi “a deterioração da segurança nacional e a má governação”. 

A nova junta tem o apoio do exército, mas não da população, que saiu às ruas para defender o presidente eleito “democraticamente” em Abril de 2021.

Até aqui, a notícia parece igual a tantas outras, nesta região da África que já sofreu sete golpes desde as idependências dos vários países, na década de 1960, quatro deles no Niger. Só em 2020 a região conheceu um período de relativa paz, se se pode chamar paz a situações que incluem permanentes revoltas e massacres no Mali e no Burkina Faso, incursões de limpeza genética no Sudão (os Janjaweed em Darfur e no Chade). O Sudão, precisamente, está neste momento a braços com uma guerra civil entre o exército regular e uma milícia intitulada “Força de Auto-defesa”. A França, que já foi a potência colonial da região e ainda considera que tem um dever paternalista de proteger as populações, manteve uma força no Mali que no ano passado se mudou para o Niger, pelos vistos sem grandes resultados.

Mas o que distingue o Niger dos outros estados falhados daquela faixa com o deserto do Sahara a norte e a África tropical a sul, é que tem recebido grandes investimentos ocidentais, ora humanitários, ora económicos, a troco de estar do lado do “Ocidente” numa região predominantemente muçulmana e animista. (Algumas tentativas destinavam-se a diminuir a imigração para a Europa, mas até agora sem grandes resultados.)

E aqui entra a Federação Russa. A União Soviética teve um papel preponderante nas lutas pela independência destes países e nos subsequentes governos , muitos deles declaradamente marxistas-leninistas (Angola, se bem que situada bastante mais abaixo no continente, é um bom exemplo.) Mas, com a implosão da URSS em 1989, os russos perderam influência, tanto económica como política. 

Um dos objectivos do presidente Putin sempre foi reavivar essa influência, já não através da ideologia, mas procurando “ajudar” económica e estrategicamente. 

Dentro desta lógica, estava prevista uma reunião do presidente russo com líderes africanos em Joanesburgo, no dia 19, mas Putin decidiu não ir, por boas razões: a África do Sul reconhece o Tribunal Internacional de Haia, e portanto seria obrigada aplicar a ordem de detenção emitida pelo dito tribunal. Depois de Cyril Ramaphosa ter apresentado o problema a Moscovo - contra sua vontade, certamente, mas a África do Sul já tem problemas que chegue... - ficou decidido que o encontro mudaria para a capital russa, o que efectivamente aconteceu no dia 26 - o mesmo dia do golpe de estado no Níger, mas trata-se possivelmente de uma coincidência...

O encontro de Moscovo proporcionou duas humilhações a Putin. 

A primeira é que só estiveram presentes 14 líderes africanos, quando no encontro anterior, em 2019, se contaram 43. Putin, impávido, historiou as ajudas que a Russia sempre deu aos mais necessitados, como, por exemplo, dez milhões de toneladas de cereais desde o princípio do ano, e prometeu-lhes ajudas de vários tipos, especialmente que daria - sim, de graça - mais 50 mil toneladas ao Burkina Faso, Zimbawe, Mali, Somália, Eritreia e República Centro-Africana, nos próximos quatro meses. Sem qualquer pudor, salientou que era para os compensar dos cereais ucranianos que os países africanos não têm recebido (só não mencionou porquê....)

A segunda humilhação tem a ver com o título deste artigo - finalmente, vai-se perceber qual é a ligação!

Então, o summit russo-africano decorreu num hotel de luxo que pertence a Yevgeny Viktorovich Prigozhin e, mais espantoso ainda, o próprio Prigozhin esteve presente e tratou dos conhecidos (e não tão conhecidos) negócios do grupo Wagner com os países onde está estabelecido, por acaso, a República Centro-Africana, Mali, Líbia, Burkina Faso, Sudão e... Níger. As informações variam e nem sempre são confiáveis, mas há presunções de vários tipos de negócios, desde extração de ouro e minerais, até trabalho escravo (uma coisa implica a outra, claro) e uma ajudinha aos governos que se dão bem com os sempre atentos amigos do Wagner.

Como é possível que Vladimir Putin, conhecido por envenenar pequenos inimigos e aprisionar para a vida os grandes (Navalni acaba de apanhar mais 12 anos), ombrear numa cimeira internacional com o único homem que tentou destroná-lo numa operação militar?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares (ou rublos, ou yuans, escolha). Até agora, os analistas internacionais têm arrancado os cabelos a tentar perceber o que se passará entre estes dois homens; de repente, o golpe de estado no Níger e a presença dos dois na mesma sala, propõe uma resposta plausível, com uma só palavra: África.

Aquele que já foi o “cozinheiro de Putin” - e vendedor de cachorros quentes, presidiário, etc. - é agora um sócio indispensável. É sabido que Putin dá muito dinheiro a ganhar aos seus apaniguados, mas também lhes exige a sua parte. 

Uma cimeira em Moscovo e um golpe de estado no Niger, ambos no dia 26 de Julho de 2023, mudam a nossa percepção do puzzle.

A História consegue ser sempre surpreendente!