Primeiro, os números: um Ferrari vale em média 250 mil euros. É só fazer as contas. E podem usar-se outras comparações para que uma pessoa normal tenha uma ideia da escala: 120 apartamentos em Paris (nove mil euros por metro quadrado, a considerar um apartamento de 75m2) ou cerca de 250 em Lisboa (cerca de quatro mil o metro quadrado, a considerar um apartamento de 80m2); ou, se o seu nível de vida for outro, umas quatro ou cinco ilhas nas Caraíbas.

Segundo, os valores de mercado. Como qualquer pessoa sabe, mesmo não estando a par do comércio de arte, um artista morto vale sempre mais do que um artista vivo. Muito mais, porque se sabe tudo o que ele fez e pode-se avaliar a obra no contexto dum catálogo fechado. O artista, mesmo com fama internacional, pode vender uma peça por centenas de milhares de euros, sendo que a galeria recebe 50%. O preço é determinado pela procura, sendo que esta depende da fama do autor. Depois, a partir dessa primeira transacção, o artista não recebe mais nada; se a peça for revendida não lhe cabe nenhuma comissão. Os franceses inventaram um sistema em 1920, o droit de suite), segundo o qual o artista receberia alguma coisa nas revendas. Tem força legal em 46 países, mas que na prática não funciona. Na própria França, só sete artistas, ou os seus herdeiros, recebem 70% das royalties deste direito. Em termos internacionais calcula-se que 80% da comissão na revenda vai para cem artistas. E o seu valor anda na média dos quinhentos euros, uma ninharia.

Terceiro, o valor intrínseco de uma obra de arte. Dir-se-á em conversa que a arte tem um valor incalculável, pela satisfação e iluminação que a sua observação proporciona. Mas, em termos práticos, pode calcular-se um valor, dependendo da sua beleza e raridade. Se for de um grande artista, apreciado por todos, e que tenha produzido pouco, compreende-se que possa estar próximo do incalculável. É o caso de Leonardo da Vinci, do qual só se conhecem quinze pinturas. Ainda por cima este tipo de raridade aparece muito pouco no mercado, porque estão todos em museus institucionais, que nunca os venderiam.

Mesmo assim, há um valor de bom-senso, digamos, que qualquer coisa tem. Se uma chávena de café custar mil euros, provavelmente achamos que não há nenhuns 60ml desse líquido que justifiquem tal valor, por mais raro e saboroso que seja. No entanto, e aqui é que entra o factor do estatuto, haveria quem pagasse esses mil euros, só para mostrar que pode. Será pura vaidade, mas não é uma vaidade tão rara como se pode pensar. Nos últimos anos os leilões têm obtido valores astronómicos. Na véspera da venda da peça de Koons, um quadro de Monet de 1890 saiu por 97 milhões de dólares. Um Picasso, Femme au Chien, de 1962, foi entregue ao magnata Steve Wynn por 55 milhões. Os milionários deste mundo, os tais 1%, não se importam de pagar valores inimagináveis para os outros 99% só para mostrar que podem pagar, pois certamente que não há prazer estético nuns olhos humanos que valha mais do que os próprios olhos.

Mesmo artistas vivos, os tais que valem menos por definição, têm visto obras suas arrematadas por quantias que aqui há dez anos seriam impensáveis para artistas mortos. É o caso do famoso “Retrato de um Artista (Piscina com duas figuras) de David Hockney, que em Novembro do ano passado ficou por 90 milhões de dólares. Dessa revenda, uma peça que Hockney pintou na década de 1970 e terá vendido por alguns milhares, o artista não viu nenhuma mais-valia.

Quanto à peça de Koons, da qual há quatro versões, foi criada em 1986. Trata-se de um “coelho” de aço inoxidável, com uma forma estilizada entre o futurista e a banda desenhada, muito ao estilo do artista. Certamente que muita gente nem considera Koons um verdadeiro artista, dada a sua tendência para se apropriar de formas existentes e dar-lhes um tom jocoso, criando objectos mais surpreendentes do que belos – mas isso é outra discussão.

O facto é que três dos coelhos estão em museus institucionais, em Los Angeles, Chicago e Qatar. Este era o único em mãos privadas, portanto negociável. E foi bem negociado, digam o que disserem.

Numa época em que tudo se compra e vende, e em que o valor das coisas não tem relação com a sua utilidade, prática ou lúdica, mesmo assim a situação parece exorbitante, mesmo obscena. Há artistas que criam e há pessoas que apreciam as suas criações. Depois, noutra ordem de ideias, há o Mercado da Arte.