O recordista em conselhos de Estado Jorge foi Jorge Sampaio – 22 vezes - diz-se que precisamente por razões opostas; sempre hesitante, queria apoiar-se no maior número de opiniões possível antes de decidir.
Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, já fez saber que reunirá o Conselho com regularidade, e embora não o tenha dito, percebe-se que é por razões diferentes de Sampaio. Marcelo tem um estilo aberto, gosta de ouvir toda a gente e, embora não deva ter grandes dúvidas, também não será surdo a opiniões.
Tudo isto são suposições, pois nem os presidentes são obrigados a dizer porque querem ouvir os conselheiros, nem o que os conselheiros dizem é público. Anuncia-se uma lista dos temas prováveis na convocação – que poderá ser apenas uma desculpa para ocultar outras preocupações ou assegurar a opinião pública de que o Presidente está atento a determinados assuntos. E é publicada uma "Nota Informativa" – o nome já diz tudo sobre a discrição. Veja-se a Nota saída do Conselho de Estada realizado esta semana:
"O Conselho de Estado, reunido sob a presidência de Sua Excelência o Presidente da República, hoje, dia 11 de julho de 2016, no Palácio de Belém, analisou a situação económica e política europeia e sua incidência em Portugal. Sublinhou, em particular a premência de uma contínua reflexão aprofundada sobre os desafios colocados à União Europeia, em termos económicos, financeiros, sociais e políticos, e que deve, também, merecer o acompanhamento pelo Conselho."
Ou seja: nada. Tudo normal e dentro do funcionamento corrente das instituições constitucionais. O que não é normal é que no dia seguinte o jornal "Público" tenha saído com um relato quase secretarial da reunião – relato esse logo repetido pelos outros órgãos da Comunicação Social e que deu origem a críticas virais nas redes sociais ao ex-Presidente Cavaco Silva. A não ser que o "Público" tenha publicado uma peça de ficção, o que não parece provável, alguém que esteve presente no Conselho contou ao jornal, tim-tim por tim-tim, o que foi dito por António Costa – que teria apresentado dois cenários em relação ao nosso incumprimento do défice; e o essencial da apresentação de Cavaco Silva, que teria sido o único a justificar a aplicação de sanções ao nosso país. Mais: o ex-Presidente considerou legítimo que Bruxelas faça a pressão necessária para nos meter na ordem, ou seja, que se entre numa política de grande austeridade, igual ou maior do que a do período da Coligação PP/PSD.
Sendo a politica o que é, ou seja, um jogo de espelhos, a questão que se coloca não é se Cavaco Silva disse ou não disse o que lhe atribuem ter dito, pois não tem quaisquer efeitos práticos, nem na nossa política, que é determinada pelo Governo, nem na posição do Presidente da República; a questão é quem é que, dentre os conselheiros, cometeu o perjúrio de revelar uma reunião secreta com o fim de esmigalhar ainda mais a já escavacada imagem de Cavaco Silva.
As más línguas, sempre prontas a málinguarar, apontaram imediatamente para Luís Marques Mendes, pois claro. Não é ele famoso por saber o que mais ninguém sabe, revelar o que poucos conhecem e prever o imprevisível? Mais ainda, segundo os seus desafectos, não é verdade que o faz só para se exibir?
Ora bem, seguindo uma lógica pragmática, seria pouco provável que a fuga de informação viesse de quem toda a gente acha que viria. O Conselho de Estado é composto por dezassete figuras, incluindo o Presidente da República. Seis por inerência de funções, cinco por escolha da AR e cinco por escolha pessoal do Presidente. Actualmente são conselheiros: Vasco Cordeiro (Presidente do Governo Regional dos Açores), Miguel Albuquerque (Presidente do Governo Regional da Madeira), General Ramalho Eanes, Mário Soares (que não esteve presente), Jorge Sampaio, Aníbal Cavaco Silva, António Lobo Xavier, António Guterres (também ausente), Eduardo Lourenço, Luís Marques Mendes, Leonor Beleza, Carlos Vale César, Francisco Pinto Balsemão, Francisco Louçã, Adriano Moreira e Domingos Abrantes.
Posteriormente, na quinta-feira, um artigo no "Expresso" vem esclarecer que "apurou" que seis conselheiros nem sequer falaram no assunto, e Cavaco foi um deles. E até os presentes na reunião – aqueles com quem o jornal falou, e que não se sabe quem são - estavam indignados tanto com o facto de ter transpirado alguma coisa cá para fora, como ainda que essa coisa ser mentira. "Pulhice" e "patifaria", teriam dito os senhores ao jornal.
Nestas circunstâncias, o Presidente autorizou expressamente António Lobo Xavier a divulgar publicamente que de facto Cavaco Silva nem mencionou o assunto. O caso encerra assim, mas não se fecham as considerações a fazer sobre esta situação inusitada
É de elucubrar quem, de entre os conselheiros, terá ido a correr ao "Público" com o objectivo de dar tiros no morto. Mas, tal como num bom episódio de Hercule Poirot ou Miss Marple, todos eles podem ter os seus motivos ocultos – isto sem desconfiar de ninguém, evidentemente. Até mesmo os ausentes, Mário Soares e Guterres poderiam –seguindo a lógica maquiavélica de Agatha Christie – ter recebido por Whatsapp a informação de um conselheiro presente e passá-la acto continuo ao jornal, por email ou, no caso de Mário Soares, na pata dum pombo correio.
Que dava um bom policial, dava. Até podia abrir com a abertura do texto do "Público": "Foi um balde de água fria sobre o tom consensual em que decorria o segundo Conselho de Estado da era Marcelo Rebelo de Sousa."
Outras leituras:
É um grande texto do The Guardian que vale a leitura de uma ponta a outra. Sobre a verdade, nos dias de hoje, em que cada um tem a sua e ninguém parece preocupado em prestar contas sobre factos.
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