O anúncio foi feito em Lisboa, no Web Summit de 2016, pelos dois organizadores: Billy MacFarland e o rapper Ja Rule. Seguiu-se um vídeo promocional com várias top models da famosa agência londrina IMG Worldwide, num ambiente paradisíaco, e cenas de bandas não identificadas em palco. As influencers Kendall Jenner, Bella Hadid, Hailey Baldwin e Emily Ratajkowski publicaram posts nas redes sociais a associar-se com o evento. Correu muita tinta nos tabloides.

O que se prometia? “Uma “experiência imersiva e transcendente” numa ilha de sonho, que já tinha sido propriedade de Pablo Escobar, com instalações de luxo em “eco-domes” e a presença de 33 bandas e Djs: Pusha T, Tyga, Desiigner, Blink-182, Major Lazer, Disclosure, Migos, Rae Sremmurd, Kaytranada, Lil Yachty, Matoma, Klingande, Skepta, Claptone, Le Youth, Tensake, Blond;ish e Lee Burridge, entre outros. (Se não sabe quem são, é porque não se interessa por música performática e não vai querer saber.)

Quanto custava esta maravilha? Os bilhetes iam de 500 a 1.500 dólares, mas era preciso lá chegar e assim um pacote que incluía o alojamento de luxo e a viagem aérea ficava por 12 mil dólares. Pouco, para quem tem muito e quer passar uma semana prolongada (com dois fins de semana) a curtir adoidadamente. E não haveria dinheiro a circular, o que se pagasse no local seria com uma pulseira especial do festival associada, evidentemente, ao cartão de crédito do festivaleiro. A organização recomendava que o dito cartão deveria ter uma provisão de 300 a 500 dólares por dia. Até à data inicialmente prevista, em maio, venderam-se mais de oito mil pacotes e foram colocados cerca de dois milhões de dólares na conta das pulseiras.

Até aí, tudo bem. Seguiu-se a realidade.

Para começar, os donos da ilha, que a tinham cedido com a indicação expressa de que não poderia ser feita nenhuma referência a Pablo Escobar na promoção, cancelaram o acordo exatamente por isso. Aliás, a ilha fora, outrora, propriedade de um associado do famoso narcotraficante e Escobar nem sequer terá lá ido. Assim, MacFarland passou para um canto remoto de outra ilha, cedida pela municipalidade local, sem nunca o anunciar.

Mas isso foi o menos. Os festivaleiros voaram de Miami - calcula-se que 500, ao todo, mas podem ter sido mil - para encontrar muita chuva, tendas de campanha insalubres e pacotes de sanduíches de queijo. Havia muito álcool, é verdade, e possivelmente drogas, mas nenhuma das estrelas que iriam atuar ou participar apareceram. Alguns dos ilhados tiveram de esperar uma semana para conseguir um voo de volta - que pagaram outra vez. O comércio local, que esperava uma bonança de negócios, teve prejuízos nunca calculados. Todas as empresas internacionais - de som, de instalação de palcos, de infraestruturas - desconfiaram que não havia dinheiro e não se envolveram. As empresas locais tentaram alguma coisa e não conseguiram, mas também não foram pagas.

Resumindo, uma fraude completa. O Ministério do Turismo das Bahamas pediu desculpas, salientando que nunca tinha tido nada a ver com o festival.

Seguiram-se oito processos nos tribunais da Flórida, Nova Iorque e Geórgia, movidos por alguns dos enganados, entre festivaleiros, promotores e outras entidades prejudicadas pela coisa toda. Já Rule foi ilibado, porque se provou que não participou ativamente nem beneficiou com a fraude. McFarland foi condenado a seis anos de prisão e uma multa de 26 milhões de dólares, o valor que se calculou que ele terá manipulado.

Contudo, o mais extraordinário é que a história não acaba aqui. Ao fim de quatro anos, McFarland foi libertado por bom comportamento. E, em abril deste ano, tweetou que está a organizar o Festival Fyre II! Segundo ele, já vendeu os primeiros 100 bilhetes por 499 dólares, e é melhor as pessoas despacharem-se porque o preço vai subir. Está previsto que ocorra no final de 2024 nas Caraíbas. Se não acredita, mas tem conta no TikTok (eu não tenho), procure e encontrará um McFarland exuberante a promover o evento! Se acredita, não perca a oportunidade. Pode comprar o seu bilhete aqui.

Pode perguntar-se como isto é possível. Mas não só é possível, como não é original. Basta pesquisar a história de Caroline Calloway, uma “influenciadora” norte-americana com 850 mil seguidores, que em 2018 vendeu por 165 dólares uma série de workshops para ensinar auto-confiança e criatividade a milhares de raparigas, workshops essas que nunca aconteceram. Como ninguém se queixou legalmente, passou incólume. Não satisfeita, em 2023 publicou um livro a contar a história da sua vida, pelo qual terá recebido 375 mil dólares de adiantamento, pagos por uma editora não identificada. Os exemplares do livro acabou por ser vendidos por ela própria por 65 dólares. O título fala por si: “Enganadora” (“Scammer”).

Agora, que os festivais deste verão já aconteceram ou estão a acontecer, valerá a pena ir- se preparando para os do ano que vem. Acho que o Fyre II vai ser uma grande festa!