Quem ousou tentar meter-se ao caminho pelas impermeáveis avenidas muito largas na imensa planície de Houston encontrou carros a boiar e precisou de procurar socorro numa piroga ou num dos muitos barcos insufláveis que uma extraordinária rede de voluntários - este é um exemplar valor da América - pôs a funcionar. Até mesmo 18 doentes em ventilação nos cuidados intensivos das urgências no piso 1 de um sofisticado hospital tiveram de ser transferidos por causa da cheia – a cave do hospital, com a casa das máquinas, tinha-se tornado uma piscina com três metros de altura.

Na Galleria, o mais famoso e concorrido centro comercial de Houston, a água de cheia chegou aos 60 centímetros dentro das lojas. As auto-estradas com muitas pistas tornaram-se canal apenas para navegação em barco. Em vez de carros e camiões passavam barcaças que transportavam, cada uma, à volta de 40 pessoas, sobretudo mulheres e crianças, muitas a abraçar também os seus cães ou com as caixas que levam os gatos.

Ao cair da noite de segunda-feira havia milhares de pessoas recolhidas em refúgios. As contagens possíveis em cenário de emergência apontavam para meio milhão de pessoas desalojadas e com necessidade de apoio.

Nos Estados Unidos, apenas Nova Iorque, Los Angeles e Chicago têm mais população residente que Houston. Esta cidade costeira que acolhe grandes e avançados centros médicos e de indústrias como a da energia (petróleo, gás e renováveis) e a espacial (NASA) está na beira do Golfo do México e a uns 600 quilómetros de Nova Orleães. Na memória de toda a gente está a calamidade que o furacão Katrina causou em 2005, quando a tempestade, iniciada em 29 de agosto (numa época do ano como a de agora), matou 1800 pessoas, a maior parte gente com mais de 70 anos, e deixou dezenas de milhar na miséria.

Por causa do Katrina, Nova Orleães perdeu, nestes 12 anos, 380 mil residentes, quase metade da população. Gente que ficou sem casa e foi para outro lugar. Muitos para Baton Rouge, alguns para Houston. Então, o Astrodome, o grande estádio coberto em Houston, chegou a ser abrigo para 25 mil desalojados. Os que então mais sofreram faziam parte da população negra e pobre. O então presidente George W. Bush levou um rombo na cotação política ao ser acusado de indiferença perante uma população tão vulnerável, por ter continuado em férias no seu rancho enquanto a tragédia avançava. Já era o tempo das notícias non-stop em ciclos de 24 horas, e toda a gente era testemunha da calamidade. Bush, ao fim de três dias, passou por lá, mas de avião. Correu mundo a foto do presidente a olhar o desastre da janela do Air Force One. Bush não pôs os pés na terra em sofrimento. No livro de memórias presidenciais “Decision Points”, Bush reconhece que aquela imagem dele a olhar o sofrimento do alto “deu a impressão de estar distanciado do desespero das pessoas”. Bush constata que “aquela impressão ficou instalada e nunca mais foi possível mudá-la”.

Agora, o Harvey – os furacões têm quase sempre nome de mulher, desta vez prevaleceu a escolha masculina –, é o furacão de Trump. O atual presidente tem na cabeça a lição do erro de que Bush nunca recuperou. Hoje, Trump está em Houston.

É um novo teste ao presidente que assume desprezar os alertas para efeitos devastadores das alterações climáticas. Será que a tragédia em curso poderá fazer evoluir a postura de Trump sobre as alterações climáticas? É um facto que esta região da América sempre sofreu com furacões devastadores, mas a frequência está a aumentar. Os cientistas têm explicado que o aumento, que é um facto, da temperatura média contribui para intensificar os ciclones tropicais. Mais: a subida, por pequena que seja, do nível da água do mar, decorrente do aquecimento global, tende a ter contribuído para que a onda do furacão Harvey tenha sido mais alta e, assim, causado maiores inundações e devastações.

Trump, há duas semanas, anulou uma decisão do presidente Obama que mandava planear e construir estruturas de proteção de zonas inundáveis. Agora, as pradarias do Texas, em volta de Houston, estão arrasadas pela cheia. a grande cidade está bloqueada. As escolas fecham por toda a semana. Grande parte das mais de 100 plataformas de petróleo e refinarias está fechada. Quase toda a rotina em volta da quarta cidade da América está transtornada. Em Nova Orleães, o sofrimento desabou quase apenas sobre os mais pobres. Agora, em Houston, todas as classes sociais estão atingidas.

Será que este primeiro furacão no tempo de Trump pode mudar alguma coisa na resistência do furacão Trump sobre a proteção do clima?

VALE VER:

1. Houston, antes e depois do Harvey.

2. Como os oceanos ficam um lugar estranhoà noite.

VALE OUVIR:

Sons lendários da conquista do espaço pela NASA.

VALE DISCUTIR:

Como lidar com o excesso na procura turística? Deve ser definida uma lotação que evite a saturação? A questão também está a ser levantada na Grécia.