Não há demonstração científica, mas toma-se como realidade que o exemplo de Werther influenciou milhares de apaixonados frustrados por toda a Europa e levou-os ao suicídio. Alguns países, temendo uma psicose coletiva, decidiram impedir a circulação desta obra-prima de Goethe. Nasceu e ficou instalada noção de "efeito Werther".

Esta história remete-nos para a influência que pode ter um relato, uma notícia. Uma vaga de homicídios, já no começo do século XX, aparentemente influenciados pelos crimes atribuídos a Jack, o Estripador levou a língua inglesa a arranjar um vocábulo para definir essa eventual causalidade: copycat crime. Um crime influenciado por um outro que ficou envolvido por celebridade.

São casos que conduzem ao debate sobre a responsabilidade dos media e em particular dos jornalistas em cada palavra que dizem, em cada imagem que mostram, em cada história que contam. É inquestionável que a essência do jornalismo é a de informar e informar implica pesquisar com exigência para contar rigorosamente a verdade dos factos. Há que não esconder o que tem relevante interesse público. O jornalista tem de deixar claro o que são os factos adquiridos, seguros, e distingui-los do que é rumor.

É preciso que haja ponderação e critério, nervos de aço e bom-senso. Também importa não confundir narração, relato vivo dos acontecimentos, com dramatização. Como igualmente há que garantir que o relato não contem elementos de propaganda ou contrapropaganda, mas apenas a verdade dos factos.

Tudo isto é suscitado pela macabra progressão de atentados terroristas nos últimos meses na Europa. Todos ficámos horrorizados com todos os relatos. Tudo é revoltante, tudo é inumano. Seja quando o número de vítimas é elevado como em Paris, Bruxelas, Nice, Munique ou Istambul, seja quando esta barbárie tem por alvo o solitário respeitado e ancião pároco de uma aldeia no nordeste francês.

Como se lida com estas notícias? Rute Sousa Vasco já trouxe na passada sexta-feira aqui no Sapo 24 uma análise muito interessante sobre o modo como nos relacionamos com a informação.

Em França cresceu nestes dias o debate sobre a publicação de certas informações sobre os assassinos, autores destes atos bárbaros. O filósofo Bernard-Henri Levy propôs "um grande acordo entre os media" para remeter os terroristas ao anonimato, recusar-lhes a exaltação da autoria ou a glória de heróis do mal. A intenção é a de tentar estancar o tal efeito copycat crime. O psiquiatra Fehti Benslama também reclamou no Le Monde "um pacto" em que os media se comprometem a não publicar qualquer informação biográfica que leve à identificação dos terroristas. Várias redações francesas alinharam com esta posição, designadamente o canal de informação mais visto, a BFMTV. Mas os diretores de jornais tão distintos como o Le Figaro e o Libération recusaram: "é importante identificar aqueles que nos combatem, é preciso fornecer todos os elementos para a compreensão do que está a acontecer entre nós", defende Alexis Brézet, do Figaro; Laurent Joffrin, do Libération, pergunta se alguém acredita que esse blackout "contribuiria de alguma forma para dissuadir ou alterar a estratégia dos terroristas"; Jean-Marc Four, diretor da rádio pública France-Inter entende que a autocensura é um erro e que é preciso "chamar as coisas pelos nomes, como elas são".

Publicar é escolher. Não há escolhas neutras. É uma tarefa que exige critério na seleção dos factos e responsabilidade na publicação. Sempre com toda a liberdade e o devido respeito pela dignidade cada pessoa, designadamente quem é vítima. Sabemos que o sangue tende a atrair audiências mas também sabemos que na maior parte dos casos não é preciso expor o sangue. Há que evitar a tão frequente espetacularização da morte. A exploração dramática não faz parte do ofício do jornalista.

Os critérios tendem a ser questionados. A matança em Nice que devastou 84 vidas ocupou horas e horas de emissões e páginas e páginas de jornais, revistas e sítios na web. Mas de Bagdad a Aleppo há atentados quase diários com número tremendo de vítimas e essas notícias estão quase desaparecidas dos media europeus. O jornalismo está a servir os cidadãos ao eclipsar estas enésimas tragédias num Iraque ou numa Síria que se tornam cada vez mais distantes?

Seja como for, parece evidente que estamos metidos numa guerra, que é assimétrica, que se ampliou do Médio Oriente para dentro da Europa, e que tem uma forte componente mediática. Vivemos numa sociedade que se liga através dos media. Os terroristas usam os media para amplificar a sua ideologia patológica e o medo que pretendem instalar com a sua violência medieval. Mas não é provável que os potenciais candidatos ao martírio que eles pretendem aliciar sejam leitores de jornais de referência ou seguidores de media tradicionais. A propaganda deles circula a partir da clandestinidade das nebulosas jiadistas através do extraordinário poder das redes digitais.

É sobretudo pelas redes sociais que passa a propaganda que leva ao risco de "efeito Werther" aplicado ao terrorismo destes bárbaros de agora. O ciberespaço está cheio de vídeos que fazem a apologia da violência. Uma razão mais para que o jornalismo cumpra com a máxima exigência a sua função de dar a entender o que acontece.

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