Têm sido desenvolvidas e aprovadas vacinas seguras e eficazes em tempo recorde, abrindo-nos uma nova via crucial, além das medidas tradicionais de saúde pública, para proteger as pessoas contra o vírus. Agora teremos de garantir que elas serão disponibilizadas a toda a gente, em toda a parte. É fundamental para pôr termo a esta crise que as doses sejam partilhadas, que sejam removidos os obstáculos à produção e que asseguremos a utilização eficaz dos dados para contemplar as comunidades que ficaram para trás.
É de louvar que a Índia esteja a partilhar as suas doses e também que os países do G7 tenham garantido que partilharão uma parte das suas vacinas e prometido montantes significativos de financiamento ao mecanismo COVAX.
Contudo, dos 225 milhões de doses de vacinas que até agora foram administradas, a grande maioria foi-no num grande número de países ricos e produtores de vacinas, enquanto a maioria dos países com baixos e médios rendimentos tem sido observadora e está ainda a aguardar a sua vez. Uma abordagem egoísta poderá servir os interesses políticos a curto prazo, mas é autodestrutiva e conduzirá a uma recuperação retardada que afetará os negócios e as viagens.
É preciso agarrar com ambas as mãos todas as oportunidades para vencer este vírus. Estão a aparecer novas variantes que dão sinais de serem mais transmissíveis, mais mortais e menos sensíveis às vacinas. A ameaça é clara: enquanto o vírus se propagar seja onde for, terá mais oportunidades para sofrer mutações e potencialmente minar a eficácia das vacinas em toda a parte. Podemos voltar à estaca zero.
Chefes de Estado, agências internacionais e grupos da sociedade civil já assinaram uma declaração de equidade na distribuição de vacinas que apela aos governos e aos fabricantes para acelerarem os processos reguladores e o fabrico.
Mas a intensificação do fabrico não acontece por si só. Estamos a viver um momento excecional da história e temos de estar à altura do desafio. Quer se partilhem as doses, a transferência de tecnologias, o licenciamento voluntário, como encoraja a iniciativa do Grupo de Acesso às Tecnologias da Organização Mundial da Saúde (OMS) contra a COVID-19, quer se isentem os direitos de propriedade intelectual, como sugerem a África do Sul e a Índia, temos de envidar todos os esforços.
Existe flexibilidade na regulação do comércio para situações de emergência e certamente isso também se aplica a uma pandemia mundial, que forçou muitas empresas a fecharem as suas portas e causou tantos prejuízos aos negócios, tanto grandes como pequenos. Temos de nos posicionar em pé de guerra e é importante ser claro sobre aquilo que é necessário.
Em primeiro lugar, precisamos de um fabrico e produção de vacinas sustentáveis em todo o mundo. Isso será útil nesta pandemia e fundamental para futuras pandemias. Algumas empresas, como a AstraZeneca, partilharam as suas licenças, para que as vacinas possam ser fabricadas em vários locais. Outras, como a Pfizer e a Sanofi, fizeram acordos de transferência de tecnologias, tais como o acabamento dos frascos das vacinas. Alguns governos, como o do Canadá, também fizeram acordos com algumas companhias e estão a instalar fábricas de raiz, que produzirão novas doses numa questão de meses.
Estes são passos significativos mas não podemos descansar até que todos tenhamos acesso e possamos assegurar cadeias de abastecimento de vacinas sustentáveis a longo prazo que sejam bastante maiores do que aquelas que agora possuímos. Isso será ainda mais importante se tivermos de vacinar as pessoas com uma segunda dose ou reformular as vacinas para combater as variantes. Isentar as patentes temporariamente não significa que os inovadores fiquem a perder. Como aconteceu durante a crise do VIH ou acontece numa guerra, as companhias receberão direitos de autoria pelos produtos que fabricam.
Há coisas que o setor privado faz realmente bem e há outras áreas em que os governos terão de interferir. Não acredito que, a nível mundial, estejamos a exercer atualmente toda a nossa capacidade de fabrico. Por exemplo, alguns fabricantes não conseguiram produzir vacinas candidatas bem sucedidas, o que é de esperar, mas as suas fábricas podem ser reorientadas para aquelas vacinas que já comprovaram ser eficazes. Para tal, tenho o prazer de ver que o presidente Biden anunciou que a J&J e a Merck irão estabelecer uma parceira para aumentar a produção de vacinas.
Também é importante que os países de baixos e médios rendimentos invistam na sua capacidade de fabrico doméstico. Tal como a vacina da febre amarela é agora produzida em Dakar, no Senegal, também se poderá fazer um investimento no fabrico de vacinas contra a COVID-19.
Vacinar o mundo todo de uma vez é coisa que nunca se fez. Mas se conseguimos colocar um rover em Marte, conseguiremos também certamente produzir milhares de milhões de vacinas e salvar vidas na Terra.
Embora os governos e os grupos farmacêuticos sejam essenciais para a distribuição de vacinas de modo equitativo, todos nós temos um papel a desempenhar. Para as corporações multinacionais que dependem do comércio e das viagens, por exemplo, as doações ao COVAX são a forma mais rápida de acelerar o esforço de eliminação da pandemia e colocar de novo as pessoas em circulação. Para as pessoas individuais, especialmente aquelas que tiveram a sorte de já terem sido vacinadas, também podemos demonstrar o nosso apoio fazendo donativos ao COVAX, que, só por si, envia uma poderosa mensagem aos governos de que a equidade na vacinação é a coisa certa a fazer.
Não se trata apenas de derrotar a COVID do ponto de vista médico. A realidade para milhões de pessoas é que esta pandemia tem afetado o mercado de emprego e tornado ainda mais difícil colocar comida na mesa. O desenvolvimento e a educação das crianças têm ficado para trás. Estes efeitos são tão graves como a própria pandemia e mais uma razão para termos de recuperar juntos, através da vacinação e de outras ferramentas de saúde.
E, em termos de segurança mundial, quanto mais depressa vacinarmos tanto mais depressa conseguiremos focar-nos na luta contra outras ameaças, como a crise climática, que não desapareceu, enquanto a nossa atenção tem sido atraída pelo vírus.
Cabe-nos a nós escrever o futuro. Não nos deixemos influenciar pela política, pela estagnação ou por aqueles que dizem que não conseguimos. Esta é a maior crise das nossa vidas, mas ver as vacinas serem administradas no Gana deve despertar o nosso entusiasmo coletivo, para termos a certeza de que nenhum país é deixado para trás. Embora o vírus se tenha aproveitado da nossa interconectividade, também podemos virar o jogo, usando-a para distribuir vacinas salva-vidas mais longe e mais depressa do que dantes.
Se não for agora, quando será?
Comentários