Em inglês, a língua franca, chama-se Regional Comprehensive Economic Partnership, (RCEP) e é o maior acordo comercial do mundo em termos de Produto Interno Bruto (PIB). Foi assinado no Domingo, dia 15, simultaneamente em Pequim e Hanói, de forma virtual, no encerramento da cimeira da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
Porque nos interessa o que se passou em Pequim e Hanói? Por várias razões, a desenvolver, mas que se podem resumir em três pontos: significa a perda da influência norte-americana na região, a consolidação da China como o pastor deste rebanho e a criação de uma zona económica de proporções nunca vistas. E nós, Europa, nem sequer estamos em consideração.
Começando pelo terceiro ponto, a RCEP junta cerca de um terço da população (2,2 mil milhões de pessoas) e quase um terço do Produto Interno Bruto mundial. O novo bloco, embora tenha uma configuração mais solta, é maior do que o Acordo Estados Unidos-México-Canadá ou a União Europeia.
Os signatários são a Indonésia, Tailândia, Singapura, Malásia, Filipinas, Vietname, Birmânia, Camboja, Laos e Brunei, China, Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia e Austrália. A Índia esteve quase para entrar, mas à última hora desistiu, por razões que veremos adiante e que não são o facto de não ter costas para os mares da região dita Ásia Pacífico.
Embora, à partida, este acordo não seja tão abrangente como o já conhecido TPP, Trans-Pacific Partnership, há uma diferença fundamental, que é não incluir os Estados Unidos. Consagra assim a vontade dos norte-americanos de fazer menos negócios com a região. Como se sabe, em Janeiro de 2017 o Presidente Trump decidiu abandonar o TPP, alegando que prejudicava o seu país, ou pelo menos que não o favorecia a seu contento. Esta postura tem sido muito discutida pelos especialistas, pois há quem considere que assim os E.U.A. abdicam da sua capacidade de negociar na região, com as vantagens comerciais resultantes de tarifas favoráveis. Para não falar da influência geo-estratégica, que protegia países da expansão geográfica chinesa, como são os casos do mar do Japão e a própria existência da Coreia do Sul e da República da Formosa.
De qualquer maneira as negociações para a RCEP já estavam em andamento quando Trump saiu do TPP, e a China limitou-se a aproveitar a oportunidade para se afirmar como a potência mais importante da região. Como é evidente, os Estados Unidos tendo abandonado o TPP, não faria sentido incluí-los num acordo que cobre uma área semelhante. Para alguns países participantes, se não para todos, a inclusão dos norte-americanos servia de contraponto aos chineses – duas mega-potências em disputa sempre davam mais oportunidade aos mais pequenos.
É de notar que a RCEP inclui países que não vêem nada com bons olhos este desequilíbrio, mas foram praticamente obrigados a participar para não perder as potencialidades dum mercado tão grande. O Japão, a Coreia do Sul, Nova Zelândia e Austrália tem vários conflitos comerciais e ideológicos com a China, que mostra uma tendência inquietante para impor imperialmente a sua vontade. O sorriso permanente de Xi Jiping não mostra bondade, mas antes desdém pelos mais fracos.
Aliás os termos da RCEP revelam as marcas indubitáveis da política chinesa, pois não incluem assuntos incómodos, como direitos humanos, propriedade intelectual, direitos dos trabalhadores, protecção do ambiente e limitação de apoio estatal a empresas privadas. O pacto limita-se a confirmar a eliminação de tarifas que já tinham sido eliminadas noutros acordos bi e multilaterais, mantendo-as para sectores considerados especialmente importantes ou demasiado “sensíveis”. As principais vantagens serão para as empresas que têm fontes de fornecimento em vários países.
Um sinal inequívoco das teses chinesas foi a inclusão da Formosa sob o título de “Ilha chinesa de Taiwan”. Como se sabe, embora os dois países tenham intensas trocas comerciais, Pequim não reconhece Taipé como uma entidade nacional.
O simbolismo da superioridade chinesa ficou bem expresso na assinatura virtual do acordo, feita simultaneamente em Pequim e Hanói. Na capital vietnamita, cada membro estava representado por um delegado, tendo atrás a bandeira do seu país. Na capital chinesa, via-se Xi Jiping sozinho, sob um fundo de bandeiras chinesas. Os símbolos têm significado acrescido para os orientais...
A questão da participação da Índia não se relaciona com o facto de não estar nas águas do Oceano Pacífico, mas pela animosidade crescente entre chineses e indianos, que levou até a confrontos militares na fronteira. Por outro lado, a Índia, que vive de exportar produtos baratos, teme ser invadida pelos produtos chineses, ainda mais competitivos. Finalmente, Nova Deli neste momento está na mão de um primeiro-ministro fortemente nacionalista, numa cópia pobre do nacionalismo norte-americano.
As consequências práticas deste acordo serão visíveis ao longo do tempo, mas, para já, pode dizer-se que, enquanto as correntes nacionalistas nos vários países tentam contrariar o globalismo, a globalização avança inexoravelmente, pois é praticamente impossível voltar para trás e quebrar as cadeias de fornecimento que enxameiam por todo o globo. Um país como os Estados Unidos já não consegue retroceder para o nacionalismo económico – tarifas alfandegárias, “buy american” – simplesmente porque deixou de produzir uma grande parte do que consome. Os ingleses não tardarão a descobrir que a sua “independência” da EU virá acompanhada de escassez e desemprego.
Essa contradição não existe para a China, que consegue conciliar – será mais correcto dizer “amalgamar” – o nacionalismo com o globalismo. Produz de tudo, e vende a toda a gente.
Já pensou em aprender mandarim?
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