Os que adoram o Natal, os que vomitam ao tocar dos primeiros sininhos. Deslizam uns pelas vilas e cidades, os encantados, quase hipnotizados, pelas luzes e luzinhas, pelos brilhos e lampejos, com isso salivando plaviovamente com a avalanche de açúcar que se avizinha. Escorregam outros pelas mesmas calçadas desiludidos, quase empedernidos, pelo tanto gasto de luz para tão pouco brilho do que realmente importa.
Pensam uns com genuíno afecto na prenda que mais faz sentido para aquela pessoa, gastam outros insensivelmente apenas pela culpa de não fazerem a obrigação. Os que se babam por bacalhau com broa espetam um garfo no polvo e no peru, enquanto arranjam espaço para o cabrito. E os que são vegan não podem nem olhar, mas dão a provar aos outros o seu tofu também com broa, prontamente elogiado pelos primos.
Há os que sabem de cor todas as letras das músicas de Natal, e que as dançam em qualquer lado, seja Bing Crosby com White Christmas suavemente no El Corte Inglés, seja o remix reggaeton de Have Yourself a Merry Little Christmas aos berros na Primark. Como os há que não podem sequer ouvir ninguém dizer jingle bells sem ter uma pequena apoplexia. Mas não há ninguém, ninguém, ninguém, que não trauteie imediatamente quando soa a All I Want For Christmas Is You. Vocês já estão a cantar só de terem lido isto.
Não estão já os sinos do início a soar? Tiririririririir… I don’t want a lot for Christmas… Sim, estamos todos a cantar. Há os que encontrem toda a melosa alegria familiar a ficar horas à mesa, à conversa ou à volta de jogos de tabuleiro e copos de vinho. Como também os que não têm palavras para o suplício de ficar à mesa ao lado do primo cujo avistamento, felizmente, só acontece nessa vez por ano, e que sorve o caldo verde fazendo mais ruído que o avô que ressona por entre os momentos constrangedores em que solta sonoramente o peso das couves.
Para uns o Natal é família, para outros é Jesus. Para alguns é tudo isso, para outros nada é.
Há quem adore toda a azáfama de luzes, sons, cheiros, comidas, embrulhos, neve falsa, pinheiros verdadeiros, presépios humanos, abraços sentidos, casas cheias e salas quentes. Como os há que regurgitam com a exacta mesma azáfama, cujos cheiros e sons provocam náuseas, porque a tia é mais falsa que a neve, as desavenças mais verdadeiras que os pinheiros, as casas vazias e as salas fria como presépios desumanos, e a ideia de ter de repetir tudo para o ano.
Se forem de uns, feliz Natal, bebam, comam, abracem-se e aproveitem que passa rápido. Se forem dos outros, feliz Natal, dentro do possível, bebam, comam, tentem abraçar alguém e não desesperem que passa rápido.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Succession: Que série incrível.
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