O julgamento dos independentistas catalães vai demorar meses com a argumentação a passar muito pelo confronto entre duas legitimidades democráticas: a do Estado espanhol e a dos eleitos pela Catalunha. Sendo que o que vai contar para a sentença no Supremo de Madrid é a interpretação oficial dos magistrados espanhóis – mas um veredicto com alta probabilidade de vir a ser submetido a outro julgamento em tribunais internacionais, como o de Estrasburgo.
A par dessa tensão com epicentro no Supremo Tribunal, há altíssima crispação política que escava cada vez mais divisões na convivência das pessoas. Poucos estão a discutir com a cabeça focada na razão, imperam as emoções à flor da pele inflamada. A Espanha vai para eleições, a começar por legislativas antecipadas já em 28 de abril, e é muito provável que elas encravem ainda mais a vida política espanhola. Quatro semanas depois, em 26 de maio, os espanhóis voltam às urnas para europeias, autonómicas e municipais.
Mas há que prever a probabilidade de retorno aos votos no outono, se das eleições antecipadas de abril não resultar maioria estável para governar. As sondagens destes dias mostram probabilidade de bloqueio parlamentar, por empate entre a soma das direitas e a soma das esquerdas. Esta análise no El País dá uma ligeiríssima vantagem às direitas, mas as sondagens, a do GESOP para El Periódico, já em cenário pré-eleitoral porque surge após o chumbo do orçamento, e as sondagens do GAD3 para La Vanguardia e da Metroscopia para um grupo de jornais regionais, mostram a Espanha sem maioria parlamentar clara. NC Report, no La Razon, é a exceção que atribui maioria clara ao bloco das direitas.
O voto da trintena de deputados independentistas que nos últimos oito meses já fizeram cair dois governos, o de Rajoy e o de Sánchez, dificulta a formação de maiorias. É provável que se mantenha a pauta de instabilidade e incerteza que tem dominado a política espanhola.
A certeza que já existe é de que nenhum partido pode sonhar com maioria absoluta em Espanha. A direita está a aparecer numa frente de três partidos (Ciudadanos, PP e Vox), que vão do centro-direita clássico à extrema-direita. A esquerda junta a social-democracia do PSOE com a extrema do Podemos e tende a agregar votos de várias autonomias (o PNV, maioritário no País Basco, embora de centro, dá-se bem com o PSOE), sendo que os catalães, afogados em incongruências internas, estão a aparecer dados a pulsões politicamente suicidas.
O novo líder do PP, Pablo Casado, ex-chefe de gabinete de Aznar, com discurso quase sempre muito exaltado, joga nesta eleição de abril todas as fichas para se firmar como o herdeiro e chegar a presidente do governo de Espanha. Sabe que é impensável que o PP conserve os 134 deputados que elegeu há três anos, e que acabaram por ser insuficientes. Talvez fique com menos de 100 deputados. A direita espanhola conta juntar mais votos com o acrescento do Vox, cenário que funcionou na Andaluzia em dezembro. Está para se ver se resulta igual no conjunto da Espanha: por um lado, há eleitores da direita clássica incomodados com o braço dado com um partido neofranquista como o Vox; por outro lado, o método de Hondt tende a penalizar o número de deputados de um campo convergente, mas fragmentado por três partidos.
Pedro Sánchez aposta num trunfo para conseguir continuar na presidência do governo: aparece como o político moderado, que dialoga e que faz contra-fogo à contra-reforma que a chegada do Vox à área do poder implicaria. Sánchez coloca-se como a única força de contenção do risco de retrocesso de políticas liberais na sociedade, designadamente em temas como o aborto, os direitos da comunidade LGBT e até sobre violência de género.
O PSOE chega a estas eleições com 84 deputados e as sondagens permitem-lhe sonhar com mais de 100. O PSOE conta crescer à custa do Podemos, em sucessivas intrigas internas. Mas esse provável crescimento não lhe chega, porque se limita a transferência de votos dentro da esquerda, sem alargar o campo da esquerda.
Vários cientistas políticos estão a admitir que a chave para estas eleições de 28 de abril esteja no voto moderado. Mais especificamente nos eleitores que nas eleições de 2016 trocaram o PSOE pelo Ciudadanos. Sánchez tem hipótese de os reconquistar?
É assim que o grande combate eleitoral pode vir a estar entre o PSOE e o Ciudadanos, portanto, entre Sánchez e Rivera. O desfecho desse duelo tende a definir o centro de gravidade da política espanhola. A direita parte com uma pequena vantagem, que parece insuficiente. Sánchez sabe que o PSOE cresceu e tem possibilidades de compromissos, ainda que frágeis, com setores hostis às direitas.
Estas eleições de 28 de abril podem tornar-se um plebiscito de Sánchez.
VALE VER:
Retratos do festival de cinema de Berlim. E há que ficar à espera de ver Synonymes, o filme que arrebatou o Urso de Ouro do júri presidido por Juliette Binoche. Há quem esteja a classificar esta escolha de arriscada.
Ainda cinema: na semana que vai trazer os Óscares de 2019, memórias de grandes filmes com reconhecimento que ultrapassa muito as estatuetas. Também aqui a grande fotografia de alguns filmes favoritos este ano.
Uma primeira página escolhida hoje, dominada pelo adeus a Bruno Ganz.
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