O descarrilamento na América interior de um enorme comboio com 150 vagões, 38 dos quais transportavam carga química tóxica, está a trazer de volta a advogada e ativista Erin Brockovich, celebrizada pela “pretty woman” Julia Roberts no filme realizado no ano 2000 realizado por Steven Soderbergh, sobre a luta daquela defensora militante das causas justas.

Tudo começou há já quase cinco semanas, em 3 de fevereiro, quando aquele comboio descarrilou junto a East Palestine, a terra americana no limite do Ohio com a Pensilvânia onde moram umas 4700 pessoas.

Aqueles primeiros dias foram de insólito silêncio dos grandes media sobre o caso. Naqueles dias, a América e meio mundo estavam virados quase em exclusivo para o balão que tinha acabado de ser detetado no espaço aéreo dos EUA.

Logo naquela sexta-feira em que o comboio saiu dos carris, as autoridades tomaram a decisão de, preventivamente, evacuar do local toda a população, enquanto peritos provocavam um incêndio controlado para destruir os produtos mais tóxicos, considerados cancerígenos,  em cinco dos vagões. A enorme nuvem de fumo negro disparou o pânico e todo o tipo de especulações por parte da população da zona.

As pessoas queixavam-se de dores de cabeça, comichões e náuseas. Começou a ser agitado o fantasma de um “Chernobil nos EUA”. Os media locais davam grande destaque à crise, mas a notícia não aparecia nos grandes media. Este vazio mediático desatou conjeturas sobre uma qualquer conspiração: houve quem especulasse que a história dos balões chineses era um estratagema para desviar atenções da “calamidade tóxica” em East Palestine.

Autoridades estaduais e federais acompanharam a crise no terreno logo a partir das primeiras horas do descarrilamento. Procederam a constantes análises do solo, do ar e das fontes de água. Indicaram sempre que não havia contaminação. Mas peixes, crustáceos e outros animais aquáticos começaram a aparecer mortos numa ribeira perto do lugar do descarrilamento.

Ao 12º dia, o governador do Ohio, que tinha começado por recomendar o consumo de água apenas se engarrafada, declarou a boa segurança da água que saía da torneira.

Assim, decorridas duas semanas, o assunto até então apenas tratado jornalisticamente pelos media locais, chegou aos ecrãs da rede Fox News. As teorias conspirativas multiplicaram-se: o silêncio anterior visava encobrir um grave desastre sanitário e ambiental? Ou tudo teria sido um ataque planeado? Especulou-se, em reportagens em direto, que a morte de ovelhas num rebanho a 140 quilómetros do local do descarrilamento poderia ser uma consequência remota da fuga de gases tóxicos.

Em 22 de fevereiro, quase três semanas depois do acidente, Donald Trump apareceu em East Palestine em campanha. Fez-se acompanhar por camiões com milhares de garrafões e garrafas de água, No rótulo, “Donald Trump 2024”.

Trump acusou Biden de desprezar aquelas populações. Chegou a clamar que, se o descarrilamento tivesse acontecido na Ucrânia, o presidente teria mostrado atenção.  Biden contra-atacou, garantiu que esteve sempre a acompanhar o caso e acrescentou que o descarrilamento estaria associado à desregulação que Trump tinha aprovado para o transporte ferroviário, a pedido das empresas – tinha deixado de haver manutenção dos velhos carris.

O caso explodia, três semanas depois, nos media nacionais e até internacionais.

É aqui que reaparece a advogada ativista Erin Brockovich, militante dos direitos das pessoas, com foco nos temas ambientais e sanitários. Acusou os políticos de não merecerem confiança: “Dizem que não há emissões contaminantes mas uns 40 mil animais aquáticos apareceram mortos no riacho vizinho”. Admitiu que a responsabilidade é tanto do governo federal dos democratas como do governo local republicano.

A polémica demorou a irromper, mas disparou, inflamada. Expõe duas Américas, muito distantes uma da outra. É uma dualidade política e social que opõe parte da América republicana mais furibunda à América democrata na defensiva. É a América onde o estatuto de primeira potência global contrasta com infraestruturas ferroviárias terceiro-mundistas.

Também é a América que tem de um lado cidadãos bem informados e do outro os que consomem e difundem as mais fantasiosas teorias conspiracionistas.