Sou asmático desde que nasci. Esta beleza desconcertante tinha de vir com um preço a pagar, sabemos como funcionam os deuses. Se o da estética humana se entusiasma e nos presenteia com um semblante mais belo do que a média, lá vem o da saúde deixar uma mazela crónica à nascença para compensar. Não sei se sabiam, mas o Brad Pitt não tem nenhum dos dedos mindinhos dos pés, a Emily Ratajkowski tem bicos de papagaio e, por cá, o José Mata nasceu só com um testículo e a Inês Aires Pereira com hemorroidas infernais. A mim calhou-me a asma.

Até andava bastante controlada nos últimos anos, mas há semanas comecei a senti-la mais pesada todos os dias, até que terça passada tive um ataque que achei que me ficava. Quando se tem um ataque ligeiro de asma, usa-se a bomba uma ou duas vezes e aquilo passa. Usei, mas não passou. Os pulmões continuaram a fechar-se, o ar a não entrar nem a sair, e eu a pensar que talvez nunca mais voltasse ao Lux. Triste. Mas lá cheguei ao Santa Maria e fui bem tratado. Tirando por um segurança da sala da espera, antes da triagem, a quem me dirigi para dizer “estou mesmo com muita dificuldade em respirar, preciso de ser atendido já”, e que me respondeu com “o enfermeiro está ocupado, o que é que quer eu lhe faça?”. Estive para responder “respiração boca a boca”, mas ele nem sequer era bonito.

De resto, toda a gente foi simpática e muito competente e lá fizeram com que eu estivesse aqui hoje a respirar optimamente e a escrever esta crónica (aguardamos a abertura total do Lux). No dia seguinte à fatídica noite, fiz uma publicação nas redes sociais para elogiar o SNS. Sabemos que para dizer mal estamos sempre prontos (eu estou, pelo menos), mas o SNS é das maiores riquezas do nosso país e, mesmo com o que tem de melhorar, merece todo o nosso amor. Entre muitas respostas e comentários a concordar comigo, a dar relatos de acontecimentos felizes graças ao SNS e a esbanjar gratidão, também grassaram inanidades, principalmente por eu ter digo que paguei zero euros. Histéricos começam logo a gritar “ai não pagaste, então e os impostos são o quê?” ou “não pagaste tu, mas pagamos todos para tu ou outro serem tratados”. Se há limites para o egoísmo do ser humano? Está visto que não.

Sim, os impostos servem precisamente para isso. Para proteger os mais vulneráveis e não só, para salvar quem tem um ataque de asma ou um linfoma, para preservar as vidas de crianças e velhos, portugueses e estrangeiros, porque a saúde é um direito universal e, parecendo que não, mais importante do que dinheiro (principalmente de quem tem mais do que suficiente).

Acho fascinante como estas pessoas se esquecem (ou fazem que esquecem) que vivem em sociedade. Adoram que os escritórios onde trabalham estejam sempre limpos por pessoas que moram nos subúrbios e acordam às 5 da manhã para receber o ordenado mínimo. Mas se estas pessoas adoecem e precisam de auxílio médico, já é um ultraje que o Estado (ai os impostos!) as apoie e o SNS as salve.

O bom é o que o SNS está lá para todos e todas, mesmo os que adoravam privatizá-lo e privar quem não tem dinheiro de poder ter cuidados de saúde adequados, porque não querem pagar impostos para salvar o “outro”. E um dia o “outro” podemos ser nós.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- As Consequências do Capitalismo – Produção de descontentamento e resistência: grande livro de Noam Chomsky e Marv Waterstone