Ser presidente de uma organização deste tipo é um privilégio, um desafio, um enriquecimento humano e técnico inigualável, uma oportunidade para olhar o mundo da oncologia pediátrica de uma posição única, uma ocasião ímpar para calibrar prioridades. Durante estes três anos usei, de forma distinta, mas complementar, três chapéus diferentes: o de Pai de uma criança com cancro, o de Presidente da Acreditar e o de Presidente da CCI. A utilização desses chapéus – no fundo, uma espécie de pele a que nos colamos por força das circunstâncias ou do destino – permitiu-me ver o mundo da oncologia pediátrica com os olhos, mas também com o coração porque, como diria a raposa d’ O Principezinho, o essencial é invisível aos olhos. 

Do lugar privilegiado onde me sentei estes três anos vi o sol e a sombra que há em tudo e em todo o tempo: injustiças, parcerias, esperança, lentidão, desespero, melhorias. De inúmeras iniciativas ou realidades ressalto duas que fazem sentido estar associadas porque, de alguma forma, representam o problema e a solução: 

  • a ideia terrível de que o factor que mais contribui para a taxa de sobrevivência de uma criança / jovem adulto diagnosticado com cancro é o local onde vive: enquanto nos países desenvolvidos essa taxa é de 80% ou mais, nos países menos desenvolvidos pode ser inferior a 30%.   
  • uma iniciativa global (Global Initiative for Childhood Cancer) promovida pela OMS e com a participação de outros parceiros – nomeadamente a CCI - com vista a aumentar a taxa global de sobrevivência para 60% e, com isso, salvar 1 milhão de vidas até 2030.

Seria impossível descrever em pormenor em que consiste esta iniciativa, que passa por mais investigação, acção política, sensibilização, abastecimento seguro de medicamentos, formação de profissionais de saúde, combate ao abandono, alterações legislativas, etc. No fundo, uma panóplia de actividades que convergem para o mesmo fim: combater o flagelo do cancro nas crianças / jovens adultos, salvar mais vidas.    

Porém, o dialecto desta comunidade da oncologia pediátrica é mais do que um jargão técnico ou estatístico que, refira-se, é fundamental, porque precisamos de medir para melhorar, porque precisamos de objectivos e de metas, porque precisamos da relação custo benefício dos investimentos. No reverso desta medalha há os Pais – do Chile ao Vietname, do Zimbabwe ao Canadá – que ouviram o diagnóstico terrível da boca de um médico, que viram os seus filhos partir ou serem dados como curados, e que partilham um vocabulário feito de esperança em dias melhores, para os seus filhos ou para os filhos do futuro. 

Albert Schweitzer, Prémio Nobel da Paz em 1952, terá dito: 

Quem entre nós aprendeu, através da experiência pessoal, o que realmente são a dor e a ansiedade, deve ajudar a garantir que aqueles que estão em necessidade física obtenham a mesma ajuda que uma vez lhe foi concedida. Já não pertence apenas a si mesmo; tornou-se irmão de todos os que sofrem. É esta “irmandade dos que carregam a marca da dor” que exige serviços médicos humanos.

Olho para as centenas de profissionais de saúde, voluntários, Pais, dirigentes políticos ou sobreviventes que fui conhecendo ao longo destes anos e talvez me ocorra dizer que somos todos uma irmandade dos que carregam, não a marca da dor, mas a marca da esperança. A esperança de ver o rosto individual do milhão de crianças que vamos salvar. Este é o nosso compromisso com a História.

João de Bragança

Pai

Presidente da Comissão Directiva da Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro. 

Ex-Presidente da CCI, Childhood Cancer International  

A Acreditar – Associação de Pais e de Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994 com o objectivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança, no jovem e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, jurídico entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica.