Por motivos profissionais, escrevi esta crónica há cinco dias, pelo que corro o risco de já não estar atual. Não vamos pensar no pior; em vez disso, esperemos que ainda haja crianças a serem separadas dos seus pais, colocadas em pequenos compartimentos delimitados por grades, vulgo jaulas, para que este texto ainda tenha algum enquadramento na actualidade neste domingo. Esperemos que, além das 2.500 crianças que foram separadas da família (à data que escrevo este texto, 19 de julho de 2018), tenham sido muitas mais, pois assim é sinal que este texto ainda faz mais sentido e eu fico bem visto.

Nos dias de hoje, com a azáfama das redes sociais e com a forma como a informação se multiplica, fazer textos de atualidade com alguns dias de antecedência é um drama para qualquer cronista, no entanto, podemos confiar que quando o assunto é Trump, a coisa manter-se-á atual durante bastante tempo. A minha escolha foi entre Trump ou Bruno de Carvalho, pois acredito que um deles estará a fazer manchetes neste domingo.

Os guardiões das chaves da democracia e da liberdade do mundo ocidental estão a usar o chaveiro para trancar crianças assustadas em gaiolas. É a chamada política de “tolerância zero” contra a imigração ilegal, fazendo com que as crianças tenham o mesmo destino que qualquer animal selvagem, também ilegal, encomendado pela Internet para fazer de bicho de estimação de um ricaço qualquer. Faz sentido, não se ia deixar as crianças andarem por lá soltas, sujeitas a baterem com a cabeça numa esquina ou a vazarem uma vista numa bandeira hasteada dos EUA.

As pessoas estão a crucificar o Trump, como sempre, mas esquecem-se dos reais responsáveis pelo estado de pavor destas crianças: os pais. Que tipo de progenitores leva os filhos a atravessar uma fronteira, ilegalmente, sujeitos a todo o tipo de adversidades e, pior, fazendo com o que os menores faltem às aulas? Que tipo de gente é esta que submete os próprios filhos a um trauma de ficarem numa gaiola, sem saber se voltarão a ver os pais? É gente que não deve ter muito a perder e que deve estar desesperada no seu país de origem… ah, espera, se calhar é isso.

Bem sei que os Estados Unidos da América estão amuados por não terem sido apurados para o Mundial de futebol, especialmente sendo no país governado pelo melhor amigo de Trump, mas não é razão para começarem a separar famílias. A Sarah Sanders, secretária de imprensa de Trump, e Jeff Sessions, Procurador-Geral dos Estados Unidos da América, disseram que as escrituras da Bíblia justificam a aplicação desta lei. Faz sentido, toda a gente sabe que o Velho e o Novo Testamento são os melhores livros sobre parentalidade que já foram escritos. Aquela personagem de Deus, que é uma espécie de pai ausente e que deixa o filho morrer na cruz, para ele se fazer um homenzinho, é de fazer inveja ao Eduardo Sá. Aliás, a Super Nanny inspirava-se na Bíblia para educar as crianças e o cantinho da pausa não era mais do que uma metáfora para o túmulo onde Jesus esteve três dias a pausar antes de ascender aos céus. Esta medida é tão católica que muitos padres já vieram dizer que não se importam que as crianças durmam lá em casa.

Até a Melania já veio dizer que não concorda com estes acontecimentos; estranho mundo onde vivemos em que uma ex-modelo sabe dar melhores respostas sobre política de imigração do que o presidente eleito do país mais poderoso do mundo. As pessoas que estão a favor desta lei são as mesmas que estão contra o aborto. Já dizia o George Carlin: “Estes conservadores são a favor dos fetos, fazem tudo pelos fetos, mas assim que nascem, é cada um por si. Os conservadores pró-vida são obcecados pelo feto desde a concepção até aos nove meses, depois disso, não querem saber de ti (…) Se és pré-nascimento, estás na boa, se és pré-escolar, estás f…”.

Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:

Um evento: Palco Comédia do NOS Alive (especialmente no dia 12 de Julho)

Um filme: El Cuerpo

Um livro: A Bíblia Contada às Crianças