Não há muitos anos assistimos a um filme que começou da mesma maneira. Estávamos, como agora, nos últimos dias de Janeiro. O governo recém empossado num pequeno país europeu preparava o Orçamento do Estado, com as habituais promessas de rigor, de contas certas e de previsões realistas - está para nascer o governante que admita o contrário. As agências de rating faziam contas, olhavam para o aumento da dívida, diziam que a descida prevista no défice era escassa para as necessidades e a ameaçavam cortar o “rating”. Os governantes juravam que tudo estava sob controlo e devolviam acusações às agências de rating, acusando-as de servirem “interesses comerciais” - o que é, em grande parte, verdade, mas não nos serve de nada nem ajuda a pagar as nossas contas.

Esse país era Portugal e estávamos no ano da graça de 2010. O resto da história nós conhecemos e sabemos que não acabou bem - pode recordar aqui como começou.

De então para cá, o país descobriu que havia uma coisa chamada “rating” e soube o que era. Diabolizou as agências que os fixam, indignou-se quando nos atiraram para o “lixo” é até colocou o Zé Povinho a fazer um “manguito” à Moody’s. Lembram-se?

O filme tem então este cheirinho a “déjà vu” mas todos queremos acreditar que, conhecendo já o guião e não gostando dele, o vamos reescrever agora.

Já alguma coisa mudou nas últimas semanas. O PS previa, no seu programa eleitoral, um défice orçamental de 3% para este ano, que caiu para 2,8% na previsão do programa do Governo e que acabou por descer mais ainda, para 2,6%, no esboço de orçamento que seguiu para Bruxelas. Aumentam-se alguns impostos e cortam-se outros, a sobretaxa de IRS e o IVA dos restaurantes.

Aumenta-se alguma despesa na reposição salarial na função pública e prometem-se cortes de despesas de funcionamento e consumos intermédios na ordem dos 600 milhões.

O esforço está lá. Cortar cerca de 700 milhões de euros no défice previsto em pouco mais de meia dúzia de meses é obra para um governo que diz ser contra a austeridade, que gostava de poder rasgar o Pacto Orçamental e que preferia equilibrar as contas públicas a um ritmo mais lento.

O esforço existe. O problema é que essa existência ainda é só no papel. E “o papel aguenta tudo”, como é costume dizer-se daqueles planos de negócio que garantem que ir vender areia às carradas para o deserto vai ser um sucesso, com o EBIDTA a tornar-se positivo ao terceiro ano.

O que a Fitch diz é que as previsões em que assenta o Orçamento podem ser irrealistas. Sendo assim, o Excel do ministro das Finanças não bate certo com a realidade.

Os próximos dias vão ser importantes, até porque falta conhecer a proposta definitiva de Orçamento que vai ser entregue na Assembleia da República.

O Governo tem que convencer os analistas com números realistas e não com insinuações de incompetência. É até possível que na Fitch, na Moodys ou na Standard and Poors - a DBRS é boazinha porque é a única que nos mantém acima de “lixo”, permitindo que os títulos de dívida sejam aceites pelo BCE - o rácio de incompetentes seja superior ao dos nossos governantes, deputados, analistas, comentadores, jornalistas e o mais que quisermos.

A grande diferença é que mesmo os incompetentes não são todos iguais. Neste caso, os das agências de rating têm um poder muito superior aos dos gabinetes ministeriais, porque os primeiros é que decidem a que taxas de juro é que os segundos conseguem financiar o país.

É tão simples como isso.

Os senhores das agências de rating podem ser o diabo com gravata de marca mas são eles e mais ninguém quem avalia o risco de um devedor nos mercados internacionais. A escassez desta informação é tanta que os bancos centrais confiam neles para decidir que títulos de dívida aceitam como garantia quando diariamente emprestam dinheiro aos bancos.

Sim, estamos reféns das agências de rating e dos humores dos mercados. Sim, não há alternativa a isso. Ou melhor, alternativa há: trazer a dívida rapidamente para níveis sustentáveis para deixarmos de ter que pedir emprestado tanto dinheiro de cada vez que temos que amortizar um empréstimo que chega ao fim do prazo. Mas para isso é preciso acabar com os défices públicos anuais, o que implica cortar na despesa ou aumentar impostos… Bom, vocês já sabem como é.

Tomem nota: em Maio temos que amortizar cerca de 7 mil milhões de euros e até lá mais uns trocos de quase 5 mil milhões. A nossa falta de soberania anda nestas escalas de valor. Afinal, quem é que está em condições de fazer um “manguito” a quem?

OUTRAS LEITURAS

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  • Não chegamos aos Óscares mas ganhámos um Hoscar. Com H grande.