Nas guerras há sempre uma dupla frente para o combate: a das trincheiras e a da informação e desinformação. É da tradição que nos grandes conflitos, à beira de momentos determinantes, apareça a ação dos guerreiros nos bastidores, os dos serviços de “inteligência” que gerem os dados, verdadeiros ou enganosos, que entendem valer para influenciar os planos militares.

No caso dos documentos revelados nestes dias, o conjunto de análises de diferentes peritos deixa uma impressão dominante: os documentos são autênticos, têm origem no Pentágono, mas com alguns dados habilmente manipulados. A impressão é a de que a falsificação de alguns dados nesses documentos seja obra de agentes russos numa operação de propaganda, por exemplo inflacionando muito o número de baixas ucranianas (61 mil a 71 mil mortos ucranianos em contraste com apenas 16 mil a 17 mil baixas russas). É facto que também há quem veja a possibilidade de um jogo de espelhos com intenção de confundir os russos.

Como em quase todas as histórias de espionagem , ainda não sabemos onde está a verdade.

É notório o embaraço americano. A fuga revela uma falha de segurança impensável na ainda primeira potência militar mundial.

Estes documentos com origem no Pentágono abordam segredos de assuntos tão variados como a guerra na Ucrânia, a espionagem na Coreia do Sul, os protestos em Israel, a situação na Turquia a um mês das eleições presidenciais e o grupo russo de mercenários Wagner. A autenticidade dos relatórios (mesmo que depois manipulados) está fora de questão. As consequências são nefastas para a credibilidade americana.

Vários analistas com estatuto de respeitados antecipam que, alguns dos dados militares supostamente secretos contidos nos documentos obrigam a alterar os planos para a chamada contra-ofensiva ucraniana da Primavera.

Há uma questão que parece relevante na análise da fuga de documentos: a quem interessa? A realidade mostra-nos que uma importante parte das revelações circula por redes russas da Telegram. A Rússia aparece, com os dados que há, como principal interessada.

Os documentos instalam confusão no “lado ocidental”. Por exemplo, com a revelação de que um dos serviços secretos de Israel, a Mossad, está na base da mobilização das manifestações contra o governo das direitas encabeçado por Netanyahu. Também neste caso fica instalada a desconfiança. 

É isso o que a revelação destes documentos secretos produz: confusão e desconfiança. 

A história de fugas de documentos e informações secretas nos EUA é longa e variada. Lembramo-nos dos Papéis do Pentágono, dos segredos militares sobre as operações no Iraque e no Afeganistão transmitidas ao Wikileaks por Chelsea Manning, sabemos de fugas maciças de documentos durante a guerra do Vietname e também tivemos as revelações de Edward Snowden sobre a espionagem americana sobre dados privados.

Fica a constatação de que os americanos não aprendem a lição destas sucessivas histórias.

Agora, há a revelação pelo Washington Post de que um jovem de 20 e poucos anos, que trabalhou numa base militar americana e que é amante das coisas militares que “por amor ao traje militar, às armas e a deus” estará na origem da fuga de documentos. Será que é assim?  Há tanta vulnerabilidade nos sistemas de proteção de documentos secretos?

Entretanto, foi revelada uma fuga do outro lado: um lote de documentos russos que expõem divergências e curto-circuitos na cadeia de comando russo.

Tudo isto enquanto já vai com 10 meses a provavelmente mais dura e sangrenta das batalhas na invasão russa da Ucrânia, a de Bakhmut. As informações transmitidas por repórteres indicam-nos que a resistência ucraniana está confinada a uma pequena área com cerca de 20 quarteirões, sob contínuo intenso bombardeamento dos russos encabeçados pelos mercenários Wagner.

A batalha de Bakhmut tem lugar garantido na história das guerras.

A revelação de documentos secretos americanos parece estar a retardar, para ajustes de estratégia, o apoio aos resistentes em Bakhmut e a contra-ofensiva ucraniana. 

Mas sabemos que há muita “spy story” em tudo isto. A informação fiável é um bem muito escasso e condicionado em cenário de guerra. Temos o relato confiável dos valentes repórteres no terreno. Eles contam aquilo de que são testemunhas. Mas só podem ver fragmentos do conjunto da realidade