Quantos países têm muros nas suas fronteiras? Conte-os: Israel (6), Marrocos, Irão e Índia (3 cada), África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Turquia, Turquemenistão, Casaquistão, Hungria e Lituânia (2), Estados Unidos (um ou vários, conforme se conte), México e, agora, a Polónia.
Esta contagem nem sequer está completa. Uma outra, já desactualizada, conta 63 muros fronteiriços construídos entre 1968 e 2018. Segundo a mesma fonte, quatro mil seiscentos e setenta e nome milhões de pessoas (61% da população mundial) vivem em países com muros. Para as “proteger” dos outros 39%, presume-se.
Cada muro tem, ou teve, as suas razões, às vezes tão ridículas que dá vontade de rir, para não chorar. Foi o caso do muro construído entre a Alemanha de Leste (RDA) e a Ocidental (RFA). Segundo as autoridades de Berlin Leste, servia para impedir a “invasão dos capitalistas”. O muro alemão, tinha aliás a originalidade de ser o único para impedir a saída dos seus e não a entrada de intrusos... Quanto à parede entre os Estados Unidos e o México, segundo Donald Trump, serve para impedir a entrada de traficantes e criminosos.
O muro maior de sempre continua a ser a famosa Muralha da China, com mais de três mil e quinhentos quilómetros, mas hoje é apenas um monumento da antiguidade – e um monumento à inutilidade das barreira, pois não impediu as invasões mongóis.
Na actualidade, discute-se qual é o mais longo: o de Israel na Palestina terá cerca de 700 quilómetros, mas o "big, beautifull" muro trumpeano, que no papel chegaria a 1.120 quilómetros, só vai nos 560 e certamente não será acabado. Uma curiosidade: o tão conhecido muro entre as duas Coreias não vai além dos 250 quilómetros.
Uma lista de trinta muros actuais inclui alguns de que nunca se fala, como o que existe entre a Nicarágua e a Costa Rica, e outros que aparecem regularmente no noticiário, como o de Ceuta, com seis metros de altura. O mais recente, anunciado esta semana pela Polónia, com apenas 2,5 metros de altura, separa o país da Bielorrúsia. Desta vez, a desculpa é desestabilizar o governo de Lukashenko.
Evidentemente que a questão não é o comprimento ou a altura dos muros, mas a intenção que leva à sua construção. Na actualidade, essa intenção resume-se em impedir a entrada de refugiados de outros países, por vezes distantes do país amuralhado. É o caso dos vários muros europeus, que se destinam a impedir a passagem de sírios, africanos em geral e, agora, afegãos. As pessoas que emigram, muitas vezes famílias inteiras, percorrem distâncias inauditas, em condições indiscritíveis, para chegar a um destino melhor. Esta semana soube-se de grupos fugidos do Afeganistão que foram retidos nas barreiras da Turquia – ou seja, atravessaram a pé cerca de 1.500 quilómetros dum Irão hostil, tanto geográfica como politicamente, para serem recambiados pelos turcos, que dizem que já têm problemas suficientes com os três milhões e seiscentos mil refugiados sírios.
Os muros são o aspecto mais físico e odioso da rejeição dos refugiados, mas não o único. Em muitas fronteiras, provavelmente muito mais do que as muralhadas, patrulhas militares, paramilitares e de voluntários – sim, voluntários –encarregam-se do trabalho horrível de impedir famílias esfomeadas de entrar – sendo que muitas nem sequer querem ficar nesse país, apenas passar por ele.
Estas deslocações em massa sempre existiram (falámos da última, no pós-guerra), mas no lírico período da segunda metade do século XX pensava-se que estavam em vias de desaparecer, uma vez que o progresso dos sentimentos humanos e o maior número de governos não autoritários diminuiria a sua necessidade. Mas os sentimentos humanos não mudam e os governos autoritários não param de crescer.
O globalismo, se por um lado acelerava a exploração internacional (com a manufactura de bens em países pobres), por outro também facilitava as deslocações. Há milhões de emigrantes em todos os países ricos, que entraram mais ou menos legalmente e que, mesmo trabalhando em más condições e sofrendo discriminação, estão melhor do que nos países de origem.
Os sentimentos humanos são impermeáveis à tecnologia e ao progresso; continuam tão tribais como sempre foram. Pior ainda, as circunstâncias brutais em certas regiões do planeta levaram a um aumento exponencial das deslocações entre países. Os nacionalismos, tanto económicos como ideológicos, renasceram com uma violência proporcional a esses movimentos.
A França, que sempre quis acreditar que o problema dos magrebinos não existia – seriam magicamente absorvidos pelo bem-estar dos franceses – está em risco de ser governada, ou pelo menos fortemente influenciada, pela extrema-direita do Front Nacional, que pretende expulsá-los. E a Holanda, que sempre se orgulhou de ser inclusiva, acaba de perder a cabeça com os problemas causados pelos imigrantes, que não se integram nem querem integrar, e está a criar novas leis draconianas. Os Estados Unidos, um país que se orgulhava de ser constituido por imigrantes – na Estátua da Liberdade está escrito “Give me your tired, your poor, your huddled masses yearning to breathe free” (“dêem-nos as vossas massas cansadas, pobres e amontoadas, desejosas de respirar liberdade”) – pois, os Estados Unidos já não querem mais imigrantes, a não ser que sejam cultos e especializados.
Esta discussão nunca se põe em termos de compaixão versus egoísmo. Aqueles que são contra as grandes imigrações (e mesmo as pequenas) dizem que há que ter compaixão com os nossos concidadãos e poupar-lhes o custo e a concorrência de estrangeiros. Os que são a favor também falam em compaixão, desde que não sejam eles a carregar pessoalmente com o problema.
Os imigrantes (económicos) e os refugiados (políticos) têm uma tendência instintiva para se fechar em comunidades e rejeitam naturalmente a cultura que os recebe. Debate-se muito se se deve integrá-los à força, ou respeitar os seus costumes. Uma sociedade inclusiva não é uma sociedade em que todos são iguais, mas sim que respeita as diferenças. Por outro lado, não é de esperar que aceite essas diferenças, que são contrárias às suas. O que não se discute é que há um custo em receber os recém-chegados – alimentá-los, alojá-los, ensinar-lhes o idioma e o ingresso no mercado de trabalho. Esse custo tem de ser pago pelos naturais, que já sentem a concorrência dos seus e o peso dos impostos. Não é fácil equilibrar estas situações, sobretudo quando o número de estrangeiros é avassalador.
Enquanto esse equilíbrio não se encontra – se é que ele existe – o mais simples é recusá-los. Os muros físicos são a evidência dos muros culturais. Neste momento, não parece que se esteja a caminho duma solução.
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