Quando, na tarde de sábado, aquelas quatro silhuetas elegantes todas vestidas de negro, William e Kate, Harry e Meghan, atravessaram o portão do palácio de Windsor para, com desejo de simpatia, partilhar carinho e confortar quem estava no exterior em homenagem à rainha falecida, houve quem se emocionasse com o que parecia ser a reconciliação entre irmãos com relações congeladas. Talvez tenha sido. Seguramente, foi mais uma das operações de comunicação que a casa real britânica desenvolve com mestria.
O poder da casa real britânica é meramente simbólico. A influência é enorme, desenvolvida pela imagem. Os Windsor, omnipresentes no palco público, cultivam a sedução, levada ao máximo nos acontecimentos cerimoniais em que são insuperáveis: batizados, casamentos e funerais.
A imagem da aparição fraternal dos desavindos William e Harry no último sábado a partilhar emoções com o povo fez lembrar o adeus que também protagonizaram, há 25 anos, à mãe deles, Lady Diana.
Nada é deixado ao acaso na comunicação dos Windsor. É uma arte que, de facto, começou a ser central com Isabel II.
Em 2 de junho de 1953, sob a objetiva de algumas dezenas de câmaras, em número nunca antes visto, Isabel II foi coroada na Abadia de Westminster. A difusão das imagens em mundovisão iniciou uma era comunicacional.
Esse uso pela casa real britânica do valor da comunicação ficou confirmado em 25 de dezembro de 1957. Para a tradicional mensagem natalícia, a rainha - que tinha perdido apoios com a gestão da crise do Suez – estreou o discurso através da televisão. A jovem rainha ao saber recorrer à então vanguarda da tecnologia tirou argumentos a quem criticava a casa real dos Windsor por viver no passado.
O pequeno ecrã da televisão passou a ser canal privilegiado para a família real se aproximar do seu povo.
Em junho de 1969, a investidura de Carlos como príncipe de Gales marcou a transposição de uma outra fronteira: a família real aceitou que uma equipa de televisão da BBC se instalasse nos palácios e nos campos privados dos Windsor para a realização do documentário Royal Family, um exercício inicial de telerrealidade que deu a ver a rainha na intimidade, em reuniões nos sumptuosos salões de Buckingham e com a família em picnic campestre, também a cuidar dos animais e das árvores.
Veio a seguir o espetáculo dos casamentos: Carlos e Diana tiveram audiência que superou a das cerimónias de abertura dos Jogos Olímpicos. O conto de fadas continuou já neste século com William e Kate, depois Harry e Meghan.
Nada deixado ao acaso, tudo meticulosamente cuidado. Com cada membro da família real a encarnar a representação de uma parte da população britânica. A entrada de Meghan nesse vetusto clã dos Windsor começou por ser – antes da explosão da intriga – uma mensagem forte nesse sentido.
Também se viu como a rainha Isabel II soube piscar o olho, designadamente às novas gerações, através do sofisticado vestuário sempre com vistoso colorido.
A morte de Diana, em agosto de 97, expôs um sério raro erro inicial de comunicação. Ninguém na família real teve alguma vez uma tão intensa relação com os media como a que envolveu Diana. Constantemente perseguida pelos furtivos paparazzi, Diana soube tornar-se a “princesa do povo”, como foi tão certeiramente designada por Tony Blair.
A rainha tinha excomungado Diana após uma entrevista, em 95, à BBC em que a princesa explodiu: através da TV e expôs o adultério do marido (o agora rei Carlos com a consorte Camila) e o mal-estar e bulimia pela falta de apoio por parte da família real. Isabel II, por mais atenta que fosse à opinião pública, não soube avaliar quanto a princesa estava no coração dos britânicos. Levantou-se com a morte de Diana um nunca antes detetado clamor de divórcio no afeto do povo com a rainha, acusada de distante e gélida, refugiada numa torre de marfim distante da funda emoção do povo. Isabel II percebeu o erro e ao quinto dia do luto corrigiu-o e apareceu nos ecrãs a homenagear a ex-nora.
Nos anos seguintes a família real adotou um estratégico silêncio sobre Diana. Perceberam que o casamento de Carlos com Camila teria de ser discreto.
Mas Diana nunca desapareceu. Harry, o filho mais novo da princesa herdou a arte comunicacional. Usou a empatia que gerou para, ao lado da mulher e ex-atriz Meghan Markle, expor críticas à casa real. Harry e Meghan foram afastados.
Agora, com a rainha morta, o funeral junta todos em imagens de afeto. Agora já não há Isabel II para ditar a arte de comunicação dos Windsor. Mas a máquina poderosa está montada para que eles continuem, com todos os pomposos e anacrónicos rituais, a aparecer reis da comunicação.
Comentários