Uma primeira meta ficou surpreendentemente fixada para já daqui a meia dúzia de anos: os representantes dos quase 200 países participantes na COP28 assinaram o compromisso de até 2030 triplicar a capacidade mundial de energias renováveis e duplicar a eficiência energética. Mas ainda mais: decidiram que o combustível fóssil entra em desativação que deve estar concluída até 2050.
Poucos esperaríamos que da COP no Dubai viesse alguma boa surpresa. Mas veio. O modelo de vida que assenta nos combustíveis fósseis passa a ter prazo de 26 anos para acabar.

O petróleo, o gás e o carvão resistiram a 28 COP em três décadas e o cartel OPEP dos grandes produtores mexeu-se com grandes meios para continuar hegemónico também depois desta conferência da ONU presidida por um sultão do petróleo.

António Guterres, como secretário geral da ONU, encabeçou a dramatização ao lembrar que “não podemos salvar o planeta que já está em chamas com uma mangueira de combustíveis fósseis”. A OPEP, liderou o contra ataque em defesa do modelo que tem vigorado.

Na terça-feira, 12 de dezembro, dia fixado para o fecho da conferência, a COP28 parecia destinada ao fracasso que tinha sido previsto.

Mas dois hábeis e poderosos estrategos de negociações impossíveis estavam a trabalhar em conjunto nos bastidores e tinham fixado o momento crítico do final da conferência para o tudo por tudo. Esses mestres na negociação são o americano John Kerry e o chinês Xie Zhenhua. Ambos são chefes de delegação de cada uma das duas potências – os dois países mais inquinadores da atmosfera do planeta – e têm a cumplicidade construída em boa cooperação em várias COP. Ambos já tinham sido determinantes para que em 2015, na COP20, tenha sido conseguido o Acordo de Paris, até agora, a grande referência de progresso para conter as alterações climáticas.

A China continua profundamente dependente do carvão (é a fonte para 60% da eletricidade que consome) mas tem dado passos de gigante na transição para as energias limpas, processo em que assume orgulhosa liderança global.

Nas horas críticas em que a COP28 entrou em prolongamento, Kerry e Zenhua jogaram todos os trunfos junto das zonas de influência de cada um. Souberam usar argumentação capaz de derrubar os muros da OPEP.

Kerry e Zenhua tiveram ao lado deles o determinante envolvimento do sultão al Jaber, ministro da Indústria do Dubai, diretor-geral da petrolífera dos Emirados e presidente da COP28. Ficou claro que o sultão quer colocar o mundo fóssil em que cresceu agora em processo de transição para as energias renováveis.

Os três articularam estratégias e exploraram um sofisticado equilibrismo semântico que assentou na substituição da expressão mais radical phase out por transition away. São modos diferentes para levar ao mesmo objetivo.

Pela primeira vez fica escrito e assinado pelos representes de 197 países, incluindo os da OPEP, que é preciso deixar de usar os combustíveis fósseis nos sistemas energéticos. É definido que a transição deve ser feita de modo “justo, ordenado e equitativo, com ação acelerada nesta década crítica, com o fim de alcançar emissões zero em 2050, conforme aponta a ciência”.

Este acordo no último fôlego da COP28 não conseguiu chegar ao ponto de inscrever metas intercalares precisas no processo de transição de cada país. E o que já tinha acontecido no histórico Acordo de Paris.

Mas o facto de estar aprovado um compromisso com a meta final que é o de adeus aos combustíveis fósseis em 2050 proporciona a possibilidade de verificar o que está a ser feito por cada país e pressionar quem estiver a desleixar-se.

O surpreendente acordo agora alcançado no Dubai merece ovação de pé por ter derrubado o muro há décadas intransponível, o que barrava o caminho para o fim progressivo das energias fósseis.