Eram outros tempos. Nem melhores ou piores. Era, principalmente, um mundo aparentemente mais pequeno. Em todos os sentidos da palavra. Havia guerra e fome, assaltos e violações. Sabíamos que alguém tinha “desaparecido de casa de seus pais” e que “envergava umas calças de bombazina castanhas e um kispo azul”. Mostravam a fotografia e o nome. Tudo o que podíamos fazer para ajudar a encontrar essa pessoa era... Muito pouco. Depois apareceram mais jornais e revistas, multiplicaram-se os canais de televisão, a rádio tornou-se uma companhia musical. Os meios de comunicação social ficaram (ainda) mais dependentes da nossa atenção e tudo passaram a fazer para a conquistar, independentemente da qualidade do conteúdo que tenham para mostrar. Nunca se viu tanta violência, que sempre existiu, nos serões em frente à TV, ou no jornal disponível no café do bairro. Ampliaram-se as vozes em discussão, passaram a circular mais ideias e opiniões. Instalou-se a confusão, num esquema em que todos falam e ninguém tem razão porque, simplesmente, já não sabemos o que é a razão.

Nesses tempo não falávamos de tantas coisas mas conversávamos mais. Continuamos a frequentar cafés, agora num estilo cosmopolita, com wireless à discrição para garantir que as imagens do que comemos se registam no Instagram. Não comentamos o sabor mas a qualidade da fotografia e só provamos depois de garantidas as imagens que nos permitem acesso a esse concílio dos Deuses governado pela palavra gostar.

Estamos online a maior parte do tempo e deixaram de nos mostrar o que acontece no mundo. Passamos a ver o que seguem os nossos amigos ou o que tem mais gostos. Há newsletters que nos informam a partir daquilo que seguem os nossos amigos e o que é (supostamente) relevante para nós. A palavra viral passou a fazer parte do dicionário num sentido diferente do que sempre lhe conhecemos. O vírus é outro e só aparentemente inofensivo. Lemos o que escolhemos, recebemos apenas o que queremos e apagamos tudo o que possa não interessar. Um título chega para partilhar. Uma imagem é suficiente para gostar. Saberá um algoritmo o que é realmente importante para cada um de nós?

O instantâneo domina o presente, anulando o passado, redefinindo o futuro sem deixar que sobre tempo para pensar. Cedemos sempre ao mais fácil e que nos toca. É a natureza humana. De facto, a emoção domina a presença, o que nos agrada reproduz-se sem cessar, anulamos o que nos incomoda e ignoramos o que não corresponde ao que pensamos. Criticamos o que é diferente, rejeitamos o que pode questionar-nos e censuramos gostos para que outros sintam o nosso desprezo. No entretanto, Trump acontece, os extremismos ficam extremamente populares e agora tememos Bolsonaro. Gritamos contra, vociferamos a favor e aquilo que, para muitos, parece impensável, num ambiente com mais ferramentas para participar do que alguma vez pudemos imaginar, acontece porque, simplesmente, debitar cenas para sites de redes sociais não é exactamente a cidadania que esperávamos.

É tão fácil o sorriso de uma criança, um vestido às flores ou um batom bonito. Difícil é usar as redes para criar uma comunidade virtual como Howard Rheingold (1993) pensou, desenvolver uma inteligência colectiva como Dominique Wolton (1997) anunciou, a convergência que Henri Jenkins (2006) definiu ou a manter vida privada sem a tornar pública como enunciou Mark Deuze (2012). Não faltam documentos que explicam o que partilhar, quando e como o fazer. Cursos. Coaches que estão disponíveis para tornar a nossa pequena conta numa fonte milionária de rendimento. Não tenho dúvidas que existem várias webs sendo que aquela que tem mais pessoas é também a que mais se assemelha os cafés de antigamente: uma casa cheia de um grupo anónimo, que tudo comenta sem nada saber.