Nunca fui adepto da batota. Nunca fiz uma cábula para os testes, nunca fiz sinais a jogar à sueca, nunca disse que estávamos a ganhar por dois quando apenas tínhamos a vantagem mínima a jogar futebol no ringue da Buraca. Os meus pais prepararam-me mal para o mundo que está cheio de batota. Ensinaram-me valores e a ser honesto e esqueceram-se que a maioria das pessoas não joga limpo e que a desonestidade seria uma ferramenta importante caso eu quisesse ser uma pessoa respeitada e alguém na vida.
Portugal está cheio de gente batoteira. Vejamos o caso da alegada fraude no exame de Português: uma rapariga, supostamente, teve acesso ao enunciado, faz um áudio de WhatsApp porque é assim que a criançada agora comunica - tipo walkie talkie, não tarda usam sinais de fumo - e a coisa espalhou-se como é apanágio das redes sociais e dos surtos de herpes na casa da mãe Kikas. Todos os anos há boatos de que não sei quem teve acesso ao enunciado e que a matéria a sair é x e y e, desta vez, esse áudio acertou na mouche, apesar do exame ser de Português. Pode ser uma coincidência já que na vastidão de boatos é possível, que uma vez, algum acerte em cheio. A aluna na gravação diz que a explicadora (suposta fonte da fuga e presidente de um sindicato de professores) lhe disse, entre outras coisas, para treinar uma composição sobre a importância da memória. Ri-me. Acho que a composição podia ter apenas uma frase: «A memória é muito importante, mas só se não conseguires fazer cábulas.». O ministério vai averiguar e o exame pode ser anulado e os 74 mil alunos podem ter de o repetir, colocando em causa o acesso ao ensino superior e, pior, as férias. É por isso que ser honesto não vale a pena: no final, tanto os que fizeram batota como os que não fizeram vão ter o mesmo castigo. Não estou a ver outra alternativa, sim, mas pouparia o pessoal que teve entre o 9,5 e o 11. Já viram o alívio de passar com essa nota e agora terem de repetir? Não se faz. Deixem lá o pessoal que passou sem saber bem como porque é impossível terem tido acesso ao conteúdo do exame de antemão. Se tiveram, são mesmo burros.
Onde, também, há muita batota em Portugal é no futebol, como se vê nos emails que andam a ser divulgados. Bem sei que falar de fraudes na educação é uma coisa e que futebol é que é um assunto sério, mas deixem-me mostrar o meu descontentamento como sportinguista. Quando vejo estes casos não penso «Ladrões! Chulos! Colinho!», o que eu penso é «E nós? E nós, caraças?! Quando é que também compramos árbitros para ver se ganhamos alguma coisa?». O FCP já teve o escândalo das escutas e do apito dourado (que não deu em nada), agora o SLB tem o caso dos emails e das prostitutas (que não vai dar em nada): fazer batota compensa! Ainda por cima é uma batota que sai barato: os árbitros ainda se deixam comprar por prostitutas?! Já na famosa fruta das escutas do apito dourado era o mesmo modus operandi. Será que o arbitro se deixaria comprar por um envelope com 200€? Não! Então, para que se deixa comprar por um pipi alugado a 200€ à hora? É triste, a falta de honestidade, mas, acima de tudo, ver que as pessoas não se valorizam na altura de se venderem.
Da batota na política nem precisamos de falar, basta olha para o cartaz do Isaltino Morais das autárquicas para nos lembrarmos de que ela existe e de que há quem não tenha vergonha de ser batoteiro. Não tarda, veremos slogans políticos de orgulho e homenagem à batotice: «Todos roubam, mas eu roubo melhor.», criando assim o paradoxo da batota honesta.
Ainda assim, os casos mais escabrosos de batota na nossa sociedade estão fora do âmbito da política, desporto ou educação, e podemos vê-los todos os dias à nossa volta. Falo, claro, da desonestidade e da publicidade enganosa que as mulheres fazem todos os dias. Uma coisa é eu saber que no futebol está tudo comprado e que o que se joga dentro das quatro linhas não é tudo, outra coisa é eu achar que um par de seios é épico e, vai-se a ver, são mamitas pingonas e era tudo enchimento de espuma no soutien. Uma coisa é eu saber que políticos são corruptos e desviam o meu dinheiro para paraísos fiscais, outra coisa é pensar que estamos na presença de uns glúteos redondos e empinados e depois perceber que eram calças almofadadas e que tudo não passa de um rabo descaído e quadrarão a lembrar um pão chapata cujas sementes já caíram e ficaram os buraquinhos da celulite. Uma coisa é eu saber que há pessoal que compra notas em colégios e que tem acesso a exames à socapa, outra é eu pensar que me deitei com uma bonita mulata de vinte anos e, no dia seguinte, quando a vejo sem maquilhagem, perceber que é uma caucasiana de sessenta primaveras.
É este o mundo em que vivemos. Um mundo onde a batota corta o às de trunfo. Um mundo difícil para pessoas honestas como eu, que só não fazem batota porque têm medo de ser apanhadas.
Sugestões do autor:
Não deitem beatas para o Facebook para não incendiar as redes sociais.
Usem protetor solar para evitar escaldões.
Dia 27, no MEO Arena, haverá um concerto solidário com as vítimas dos incêndios. Apareçam e ajudem. Eu sei que aquilo tem o Agir e os D.A.M.A., mas é um sacrifício por uma boa causa.
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