Os 6,6 milhões de eleitores na Andaluzia, ao darem maioria absoluta ao PP numa região que por 40 anos foi feudo do PSOE, estreitaram muito a margem de manobra de Pedro Sánchez e do governo de coligação das esquerdas em Espanha.
Já os 20 milhões de franceses que decidiram votar neste domingo (há quase 29 milhões que se deixaram ficar fora da escolha) colocaram o presidente Macron em séria fragilidade: reduziram para metade o número de deputados do partido presidencial, deixaram-no a mais de 40 lugares da maioria absoluta (passa a ter 245 dos 577 deputados) e é obrigado a pagar um preço político certamente muito caro para conseguir passar leis e governar. Há um sério risco de paralisia na governação da França, cujo parlamento volta a ter esquerdas fortes (144 deputados) e a extrema-direita de Le Pen robusta (89 deputados) como nunca. No Kremlin, Putin há de estar a esfregar as mãos em satisfação pelo fracasso doméstico de Macron.
Na Colômbia, os eleitores que votaram (58% dos 39 milhões de inscritos) ditaram uma revolução: pela primeira vez, a Colômbia tem um presidente de esquerda e que se assume porta-voz dos de baixo. O eleito, Gustavo Petro, com 62 anos, integrou nos tempos de juventude o M-19 — uma guerrilha com perfil intelectual e urbano, nada a ver com as FARC, que conduziram uma longa guerra civil —, veio a exilar-se na Bélgica e regressou à Colômbia convertido ao sistema democrático plural. Foi eleito senador, presidente da câmara municipal da capital, Bogotá, e agora, aos 62 anos, recebeu 11,2 milhões de votos e foi eleito presidente da terceira maior economia da América do Sul. Tem o enorme desafio de não desiludir os milhões de colombianos frustrados por décadas de pobreza e desigualdade.
A Colômbia completa o trio de grandes países na fachada da América do Sul voltada para o Pacífico que no último ano viraram à esquerda.
É o caso da República do Peru, que há um ano elegeu para presidente o professor do básico e sindicalista Pedro Castillo, 52 anos. É também o caso do Chile, que há três meses elegeu para a presidencia Gabriel Boric, 36 anos, líder do movimento estudantil de protesto dos últimos dois anos.
Há uma novidade nesta nova esquerda sul-americana, sobretudo a que se impôs no Chile e agora na Colômbia: não tem qualquer simpatia, opõe-se mesmo a regimes autoritários como o da Venezuela e o de Cuba.
É muito diferente o posicionamento de Lula que, e todas as sondagens o sugerem, vai daqui a quatro meses ser eleito para a partir de janeiro reassumir a presidência do Brasil. Lula, no começo deste século, transformou o Brasil, soube reconciliar grande parte do país e tirou da grande pobreza uns 20 milhões de brasileiros. O ressentimento pela perseguição judicial que entretanto lhe foi montada, por entre grande fratura na opinião pública brasileira, ameaça dificultar que o provável novo mandato consiga a harmonia que marcou os dois anteriores.
O que resulta evidente é que o vento na América do Sul está a puxar com força para a viragem à esquerda. As desigualdades sociais, a noção de muita corrupção no topo do poder, a perceção de que as alterações climáticas são uma realidade negligenciada pelos governos e a má resposta à pandemia são contributos fortes para esta viragem – por período curto? Os novos governos conseguirão corresponder às promessas? – na América do Sul.
Na Europa, as eleições francesas e na Andaluzia (a maior e mais populosa das regiões de Espanha) mostram algo que também se tem visto na América do Sul: o castigo a quem governa – as legislativas portuguesas de 30 de janeiro, que reforçaram a maioria governamental de António Costa, aparecem como exceção.
Vai ser interessante seguir nos próximos meses o laboratório político. Macron vai conseguir escapar à ameaça de abismo político? A estratégia de hiperpresidencialização do regime, com desprezo das oposições e do debate político conduziu Macron à grande derrapagem para os abismos da rejeição popular.
Macron, com cinco anos de presidência pela frente, ainda vai a tempo para recuperar? Ele continua a ser o mais votado, tanto na presidência como no fragmentado parlamento francês. Mas, se conseguir a reconciliação com o eleitorado, será um caso de estudo.
Este mesmo Emmanuel Macron apostou em impôr-se como líder europeu. Enquanto em França apontou visões liberais, na Europa tem aparecido euroentusiasta e na direção progressista. Apesar de tanta desconfiança dos eleitores franceses, Macron pode continuar com a aspiração de ser líder da Europa onde vão crescer interrogações sobre o efeito de ricochete das sanções à Rússia? É outra evolução a seguir nos próximos meses.
O calendário eleitoral espanhol marca eleições gerais para daqui a ano e meio. Será que o governo das esquerdas em Espanha vai aguentar todo esse tempo? As municipais e autonómicas em maio do próximo ano serão provavelmente determinantes. Pedro Sánchez, líder socialista e chefe do governo, já mostrou que é um resistente e, diferente de Macron, valente a lutar contra a adversidade.
Vai para quatro anos (dezembro de 2018) o PSOE perdeu pela primeira vez a hegemonia na Andaluzia, que ficou com maioria de três partidos à direita (PP, Ciudadanos e Vox). Mas escassos quatro meses depois, Pedro Sánchez pôs o PSOE a ganhar eleições gerais, municipais, autonómicas e europeias. É facto que então a liderança da oposição PP, com Pablo Casado, aparecia fraca. Agora, o galego Alberto Feijóo surge com fama de ganhador (maiorias absolutas na Galiza).
Também vale, portanto, dar atenção aos próximos meses da vida política em Espanha. Há desde já uma alteração: o mapa político de Espanha parecia há dois anos definir a realidade de quatro ou cinco partidos dominantes ou em ascenção: PSOE, PP, Podemos, Ciudadanos e Vox.
A Espanha parece voltar ao bipartidarismo PSOE/PP. O Ciudadanos desaparece nas sucessivas eleições. O Unidas/Podemos está frágil apesar de uma líder que vale mais que o partido. A Andaluzia confirmou que o Vox estancou o percurso ascendente.
As eleições deste domingo em França, na Andaluzia e na Colômbia criaram novas realidades políticas que merecem atenção.
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