O ritual é conhecido. As certezas absolutas das campanhas eleitorais e dos programas partidários passam rapidamenta a dúvidas quando se chega ao poder para acabarem em impossibilidades práticas.
Como a realidade é mais rígida do que as intenções e a possibilidade de se moldar o contexto da governação é mínima, são a prática e o discurso político que se vão alterando.
É a isto que estamos a assistir nos primeiros seis meses deste governo. Porque há Bruxelas e metas a cumprir. Porque há dívida para continuar a fazer e agências de rating decisivas na fixação de juros. Porque estamos dependentes da vontade de investidores. Porque há um contexto económico externo que não controlamos e não está fácil. Porque a matemática não é dada a caprichos nem ilusões.
Querendo, podemos espreitar o que se está a passar na Grécia e conferir com as intenções iniciais do Syriza para perceber como uma coisa está nos antípodas da outra. Depois de um referendo que recusava mais austeridade e de uma eleições que renovaram o mandato de Alexis Tsipras para o aplicar, tudo está a ser feito ao contrário. E não é, certamente, por falta de vontade política do governo grego em fazer diferente que o novo pacote de austeridade prevê cortes de 5,4 mil milhões de despesa do Estado, com uma reforma do sistema de pensões semelhante ao de governos anteriores, com cortes avantajados nos pagamentos aos reformados. O Syriza pode ser acusado de muita coisa mas entre elas não está o "radicalismo ideológico de direita" ou o "neoliberalismo".
É esta a realidade que o Governo português começa a conhecer, depois das ilusões de campanha eleitoral e do primeiro esboço orçamental que Bruxelas mandou para trás.
Entre os compromissos europeus e as reivindicações do Bloco de Esquerda e do PCP ou as ilusões de muitos socialistas, valem mais os primeiros, como é evidente. O equilibrismo contabilístico é notório na tentativa de os cumprir, escondendo, ao mesmo tempo, que não há um rumo tão diferente como o que, bem ou mal, seguíamos nos últimos anos.
A conjuntura dá sinais de não querer ajudar. As exportações caem, o desemprego não há maneira de descer, a dívida sobe. Não se trata de responsabilizar este governo, que com seis meses de funções ainda não teve tempo para fazer o certo ou o errado de forma notória. Mas é preciso ter a noção que a realidade é quase sempre mais madastra do que as ilusões programáticas e ideológicas.
Neste contexto difícil e de equilíbrios frágeis, não deixa de ser interessante assitir ao caminho de adaptação que os discursos políticos estão a fazer. A fundação de um novo modelo para o crescimento económico já ficou para trás e agora só se fala na recuperação de rendimentos. Porque se devolveram salários à função pública mais depressa do que estava previsto e porque se aumentou o salário mínimo, esta é a bandeira que pode ser empunhada. É coisa pouca para a enorme ambição que se apresentava há seis meses, até porque a devolução à função pública é feita com o aumento de impostos sobre o consumo e o aumento do ordenado mínimo terá um custo de mais desemprego.
As coisas são como são e a absoluta falta de manobra dos governos nacionais está nos caminhos em que esses governos - passados e presentes - se foram metendo, hipotecando a soberania durante muitos e duros anos.
Anúncios do fim da austeridade e da fundação de uma nova ordem económica europeia vamos tendo de forma abundante. Primeiro foi Françoise Hollande. Depois Alexis Tsipras e Varoufakis. Agora António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Todos com condições políticas internas para fazerem as mudanças que defendiam e defendem. Todos, afinal, sem condições para fazer grande coisa e para demonstrarem que há alternativas.
Dir-se-á que é preciso que novos tempos como este alastrem a outros países, a outros governos, para que a mudança seja possível. Nomeadamante, acrescento eu, à Alemanha, Holanda, Áustria ou Finlândia.
Nesse cenário há uma pergunta que sobra: quem, então, será o garante de estabilidade e credibilidade que vai permitir continuar a pedir dinheiro emprestado, a financiar resgates ou a transferir pacotes de fundos comunitários?
Outras leituras
- O Brasil é um bom caso para se estudar o que pode acontecer a um país rico em recursos quando as instituições e as elites políticas não funcionam. A crise seguirá, com ou sem Dilma.
- E quando se juntam duas crises? Angola não pode comprar, Portugal está com mais dificuldade para vender. Resta o petróleo, a dependência comum aos dois países.
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