O coronavírus já viu melhores dias do ponto de vista da desvalorização. Em janeiro, quando era uma epidemia esquisita que só se pegava entre pessoas com olhos em bico e que amam Xi Jingping, estava tudo bem. Era só um pretexto para um pouquinho de racismo inocente, longe estávamos de imaginar que de repente isso ameaçasse o nosso estilo de vida.

Não temos culpa de ter desvalorizado, nem é censurável que só agora se sinta medo. É bastante difícil chegar ao ponto ótimo entre o “estou-me-a-cagar” e o vamos-todos-morrer”. Eu confesso que já senti a vontade pouco adulta de optar por cada um desses lados. O pânico é sedutor, dá-nos aquela adrenalina de quem está prestes a saltar de um bungee-jumping epidemiológico. Já o menosprezo confere-nos uma patine niilista, uma superioridade perante a plebe vítima de lavagens cerebrais dos média. Ambos os extremos constituem parvoíce.

Do lado da desvalorização, o coronavírus tem os melhores assessores de comunicação do planeta. Não sei se não reúne condições para alavancar uma candidatura do vírus à Presidência da República. Há uma série de cidadãos que se oferecem os seus préstimos como spin doctors do Covid-19, alegando que é apenas uma gripe, que não tem mal nenhum, que não vão deixar de ir ao concerto do Diogo Piçarra porque um morcego tossiu na China e agora o Mundo está em pânico. Todos gostamos de dormir bem.

Do lado do pânico, o coronavírus conta com os melhores druidas desde os livros de Uderzo e Goscinny. Desde apelos ao recurso à pseudociência, à corrida ao papel higiénico como se tivesse ocorrido uma Black Friday intestinal, há mais confusão e regresso à Antiguidade do que o Astérix e os Normandos. Um pouco de atração pelo apocalipse também não faz mal nenhum.

A verdade é que a certa altura os portugueses julgaram que a introdução desta banda-desenhada seria válida neste caso. “Todo o Mundo está infetado pelo Covid-19. Todo? Não! Um irredutível país, bla, bla, bla”. Mas não. Inicialmente era um fenómeno de para lá do sol posto, depois um caos típico dos italianos, a seguir um epifenómeno no Norte. Basicamente, o cerco foi apertando e, agora que isto já está na soleira da elite lisboeta, medidas drásticas certamente serão postas em prática. Está na altura de colocar a fralda.

Recomendações:

Este filme.