A esquerda frustrada por o candidato Mélenchon ter ficado a apenas 350 mil votos (entre 49 milhões de inscritos e 36 milhões de votantes) de colocar o candidato da França Insubmissa, em vez de Le Pen, no duelo presidencial do próximo domingo, tem a chave para o futuro próximo da França e da Europa.

Ampla maioria dos quase oito milhões de eleitores mélenchonistas repudia o que Le Pen representa. Mas muitos também detestam o que sentem como a arrogância de Macron e a distância que instala no modo como exerce o poder.

Macron recebeu na volta 9.783.058 votos; Le Pen, 8.133.828. A diferença é de um milhão e 650 mil votos.

A extrema-direita está mobilizada para conseguir o melhor resultado de sempre, por isso é de prever que todos os 2,5 milhões de votos de Zémmour mais os 725 mil de Dupont-Aignant vão para ela. Alguns dos 1,6 milhões de Pécresse também.

Verdes, socialistas e comunistas valeram em conjunto 2,5 milhões de votos na primeira volta.

Se deixarmos de fora os eleitores de Mélenchon, Macron e Le Pen parecem praticamente empatados. Daí o papel decisivo dos eleitores da França Insubmissa de Mélenchon.

Le Pen está a usar o manual populista para tentar captar eleitores que embora à esquerda estão em fúria contra Macron. Ela coloca o confronto como um duelo entre a casta (Macron) e o povo (Le Pen). Reforça: é o combate entre as elites e os trabalhadores, entre os que querem a globalização e os que defendem privilégio para a nação. Le Pen aposta no marketing político de ser a candidata dos de baixo, dos perdedores, dos excluídos, da gente comum.

São argumentos que os eleitores de Mélenchon não deixam de ouvir e que os colocam na dúvida. Uma consulta interna à qual responderam 215 mil simpatizantes desta esquerda radical mostra que só um terço está disponível para votar Macron. Extrapolando, conclui-se que mais de cinco milhões desta esquerda mais à esquerda não alinha desta vez com a tradição de escolha útil republicana traduzida pelo voto em Macron, como mal menor, para barrar a extrema-direita.

É esta relutância que sugere abstenção o que está a surgir como um problema sério para Macron.

O que ficou conhecido como “cordão sanitário” para isolar a direita ultra e impedir que chegue ao poder ainda existe, mas nunca apareceu tão frágil, quase a romper-se. A questão da ameaça da extrema-direita ficou para muitos desdramatizada, banalizada.

Le Pen consegue agora meter menos medo a muito eleitorado. A base lepenista são as pessoas com menos rendimentos e menos diploma, maioritariamente residentes em pequenas cidades da França rural. O aparecimento de Zémmour numa faixa ainda mais radical ajudou-a a dar a aparência de estar recentrada. Mas ela continua a defender propostas radicais sobre a imigração e a prevalência de leis nacionais sobre as normas europeias.

Significa que se Le Pen fosse eleita, os líderes da Hungria e da Polónia teriam em França um poderoso aliado contra o reforço da União Europeia.

Macron aparece diferente nesta segunda volta da eleição presidencial. A primeira diferença é a de estar no terreno em campanha, o que não tinha feito antes, com o argumento de estar a cuidar os assuntos urgentes (a guerra) da nação.

Outra diferença substancial está no discurso, com propostas que nunca apareceram no primeiro mandato presidencial: promete fazer da França “uma grande nação ecológica” e “a primeira a sair do petróleo, do gás e do carvão”. Mas há três anos, sob a pressão do movimento “gilets jaunes”, Macron deixou cair a taxa do carbono que os ecologistas declaravam indispensável.

Que argumentos vai o presidente-candidato usar para explicar e demonstrar a sustentabilidade desta mudança camaleónica claramente voltada para o eleitorado verde e esquerdista? Vai conseguir provar que o que está a prometer não é uma mera promessa eleitoral (adota a “planificação ecológica”, tema forte de Mélenchon) que vai ficar na gaveta?

O debate entre Macron e Le Pen, o único desta campanha, nesta quarta-feira, às 8 da noite, tem tudo para ser decisivo e é de alto risco para os dois.

Há cinco anos os dois também estiveram frente a frente no debate final perante 17 milhões de telespectadores. A vaga de fundo na análise dos comentadores inundou a opinião pública com a ideia de que o debate foi “um desastre”, mesmo “uma catástrofe” para Le Pen. Apareceu cansada. Não conseguiu dar resposta ao assalto de Macron que apareceu muito bem preparado para o confronto. Ficou a impressão de que Le Pen pensou que as frases que usa em campanha bastariam para enfrentar Macron. Mas este apareceu economista, com questões concretas, práticas, e Le Pen perdeu-se. As sondagens mostram que nos quatro dias seguintes, até ao domingo de eleições, Macron disparou. Viria a ganhar por 66% frente a 33%.

Marine Le Pen reconhece agora que se “espalhou” no debate de há cinco anos. Lembra que esteve na rua em campanha na véspera e na manhã do dia debate. Reconhece que estava exausta.

Daí que agora tenha decidido parar toda a atividade de campanha pública a partir da noite desta segunda-feira. Dedica dois dias a preparar-se para o duelo que antevê decisivo às 8 da noite desta quarta-feira.

Macron, com a equipa de estrategos de campanha está a fazer o mesmo. Prepara-se para desmontar o programa de Le Pen.

Nos últimos dias as sondagens revelam que Macron está a destacar-se levemente de Le Pen. Nesta segunda-feira, a IPSOS aponta 12 pontos de vantagem para Macron (56%/44%). Mas o eleitorado francês é muito volátil, tanto que na primeira volta nenhuma sondagem dava mais de 17% a Mélenchon e ele chegou aos 22%.

Os mélenchonistas e os abstencionistas serão certamente os alvos de Macron e de Le Pen neste debate que, ao contrário do costume, pode ser determinante.

Há uma outra dupla neste debate, os condutores. Léa Salamé, 42 anos, fugiu do Líbano em guerra civil quando tinha cinco anos e é agora cronista e entrevistadora principal na televisão pública francesa, France 2, e na rádio pública France-Inter; Gilles Bouleau, 59 anos, apresenta há 10 anos o principal telejornal da televisão privada TF1. Cabe-lhes conduzir o debate e cuidar para que ele seja esclarecedor e corresponda à expectativa. Ambos mostram todos os dias como têm mestria no ofício.