Embora existam leis, elas parecem obra de ficção. Ao observá-las, é possível entender que no Brasil, em verdade, pode-se tudo. Se você tem dinheiro, claro. E não interessa se matou, violou, invadiu área indígena ou costeira para a construção da sua casa de verão na praia de Angra dos Reis, litoral do Rio de Janeiro, ou se deu um golpe no mercado financeiro. Você tem condições de encher malas de dinheiro? Então pode. Inclusive roubar, saquear e quebrar empresas públicas e até um estado inteiro, como é o caso do Rio de Janeiro. Há leis que serão usadas para aliviar o criminoso. Mas, se não houver, um ministro dos tribunais superiores há de libertar malfeitor numa e alegar um novo entendimento de uma entrelinha da lei.

Desde 1982, com a re-democratização, foram eleitos pelo voto direto sete governadores para o estado do Rio de Janeiro. Dois desses já estão mortos. Dos cinco restantes, três foram presos em 2017 - entre eles o ex-governador Sérgio Cabral que se mostrou um dos mais autênticos líderes de quadrilha da política brasileira, e o casal de ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho. Sobram dois, o atual governador Luiz Fernando Pezão, que está a ser investigado pela Lava Jato, e o ministro do Governo Federal, Moreira Franco, que contou com o apoio dos parlamentares para ser julgado só quando perder o foro privilegiado que a função garante.

Agora imagine que estamos a falar de uma empresa. Qual empresa sobreviveria 35 anos com essa gestão? Nenhuma. Eles quebraram o Rio de Janeiro aos poucos, ou aos muitos. São todos ricos e enrolados nas teias da justiça até o pescoço.

 

Trocando por miúdos: nos últimos 35 anos, todos os governos que conduziram o Rio de Janeiro desviaram dinheiro público. Inclusive nos dois mandatos do falecido Leonel Brizola. Os seus ex-colaboradores foram condenados, em meados dos anos 1990, a devolver dinheiro desviado das contas do estado, e em depoimentos no processo Lava-Jato, a família Odebrecht – sempre presente - relatou desvios de dinheiro público durante a construção do Sambódromo, obra da gestão Brizola.

Agora imagine que estamos a falar de uma empresa. Qual empresa sobreviveria 35 anos com essa gestão? Nenhuma. Eles quebraram o Rio de Janeiro aos poucos, ou aos muitos. São todos ricos e enrolados nas teias da justiça até o pescoço.

O problema é mais evidente na cidade do Rio de Janeiro, um dos principais cartões postais do Brasil com a sua orla desenhada em detalhes pela natureza. A sua maior data festiva, o Carnaval, é mundialmente famosa e o evento é comandado por aquilo que se designa em linguagem corrente por criminosos. A escola de samba que venceu os desfiles deste ano de 2018 foi a Beija-Flor de Nilópolis que apresentou, em fantasias e alegorias, uma crítica contra a corrupção, o desvio do dinheiro público e a disparidade social. Que nobre causa. O presidente “vitalício” da Beija-Flor, Anísio Abraão Diniz, é o exemplo mais bem-acabado do paradoxo que se vive por lá. Anísio foi condenado a mais de 48 anos de prisão por comandar uma quadrilha que explora o jogo do bicho - uma lotaria informal cujos números a serem apostados representam grupos de animais (por exemplo: o grupo 1 é Avestruz, com as dezenas 01-02-03-04, são 25 grupos). A sentença alega que o presidente comanda uma quadrilha que alicia policiais e magistrados com pagamento mensal de subornos para manter o jogo a funcionar. Atenção: este senhor foi condenado por corromper funcionários públicos. A sua sentença, recheada de provas contundentes, foi estabelecida em 2012, juntamente com o decreto de prisão. Anísio passou dois meses preso e desde então recorre à justiça em liberdade. A Beija-Flor desfilou a criticar o quê mesmo? Tem dinheiro? Então pode.

Diz o roto ao nu. Mas a plateia aplaudiu.

Nos camarotes, artistas, ricos e políticos. Há até o camarote oficial da prefeitura (autarquia) que dá legalidade ao evento de quem infringe a lei. Mas um dos mais concorridos é o camarote da LIESA - Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, que é quem manda no evento. Se você der uma passada de olhos na relação dos dirigentes da entidade, vai pensar que está a ver uma lista da esquadra da polícia. Mas no camarote, artistas e figurões dão o ar de sua graça cheios de purpurina, e nem se preocupam com isso. Nos desfiles das agremiações, mais artistas conhecidos, políticos, jogadores de futebol. Uma festa que se diz de raiz das comunidades, e que de facto nasceu assim, hoje é a mais autêntica ostentação de gente de sucesso. Não é para o povo coisa nenhuma. Quem está em destaque nas câmaras de televisão são os ricos, artistas, gente bonita que não passa dificuldade, têm assistência médica, altos salários e previdência privada. Mas o pobre da comunidade não é importante? Sim, é! Afinal, é ele quem empurra os carros alegóricos do desfile com os artistas empoleirados. Sobram-lhes, ainda, algumas fantasias para dar números grandiosos às escolas de samba e não pegar tão mal na comunidade.

Há muito pouco tempo a cidade foi palco da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Vendeu-se a ideia de que esses eventos trariam prosperidade para aquela cidade, re-urbanização em algumas áreas e crescimento económico para todos. Algo parecido com o que aconteceu em Barcelona - coisa que parece ter ocorrido tão somente em Barcelona, diga-se. No Rio de Janeiro, nem pensar.

Nunca se desviou tanto dinheiro como durante esses eventos. Obras super-facturadas, inacabadas, delegações olímpicas obrigadas a hospedarem-se em hotéis porque a Vila Olímpica estava inabitável, competições aquáticas numa das baías mais poluídas do mundo - cujas taxas de coliformes fecais estão sempre muito acima do tolerável pela Organização Mundial de Saúde. Não disse um pouco acima, disse muito acima. E o que dizer dos assaltos durante esses eventos? Bom, chamaram o exército e pelo menos no que respeita à segurança ficou tudo bem. Com aquela bela imagem de tanques de guerra nas ruas. No fundo, maquilhou-se o moribundo. Colaram o casco do submergível com cola rápida.

Após os eventos, as forças do exército foram embora e tudo voltou ao normal, ou ao anormal, uma vez que o basal do Rio de Janeiro é a violência.

Isso é tudo? Não! Senta que lá vem história.

Dias atrás, um diálogo entre o ex-secretário de saúde do Rio de Janeiro, Sérgio Côrtes, e dois empresários corruptos, todos investigados numa das operações desmembradas da Lava Jato - que investiga o desvio de dinheiro daquela secretaria -, nos presenteava com a seguinte candura de palavras: “Meu chapa (amigo), você pode tentar negociar uma coisa ligada à campanha. Pode salvar o seu negócio. Podemos passar pouco tempo na cadeia... Mas nossas putarias têm que continuar”, escreveu o ex-secretário a um dos empresários cúmplices de “putarias” com a coisa pública. Estavam a combinar um depoimento que os aliviasse com penas leves e não entregasse todo o esquema de corrupção e desvio de dinheiro.

Passar uns anos na cadeia, como eles mostram, vale o sacrifício por uma vida endinheirada. Estes em concreto desviam dinheiro da saúde. Dos hospitais, dos medicamentos, dos equipamentos quebrados, das salas cirúrgicas interditadas. E dinheiro público é aquele do contribuinte que trabalhou, pagou os seus impostos e está a morrer com balas perdidas (tiro de arma de fogo que não se sabe a origem) nas filas dos hospitais sucatados. E para piorar, porque sempre há espaço para isso, a música que faz sucesso atualmente no Rio de Janeiro é de uma cantora de funk chamada Jojo Todynho, que faz graça com bala perdida e chama-se “Que tiro foi esse?”. Grosseira, sem um pingo de educação e vulgar a cantora é o retrato de como se tornou difícil colocar as coisas nos trilhos num lugar com a cultura que ela tem: zero. O Rio de Janeiro tem exemplos tão radicais do impossível, que ali parece valer tudo. Por isso a tal Jojo virou celebridade instantânea e desfilou aonde? Duas chances para você acertar: 1. Começa com Beija, 2. Acaba com Flor. Acertou! Na escola campeã do presidente condenado, a Beija-Flor de Nilópolis. Tudo junto e misturado.

Durante o Réveillon de 2018, a segunda data mais importante na cidade, o estado de calamidade ficou exposto. Os bandidos faziam arrastões violentos. Em grupos, no meio da festa de Réveillon de Copacabana, socavam mulheres que caiam e eram socorridas por familiares e amigos. Nesse momento avançavam a roubar o que pudessem. Telemóveis, carteiras, relógios, pulseiras.

Cidadãos saindo de seus carros no meio do trânsito a deitarem-se na rua com medo de serem atingidos pelas balas. Pais a retirar bebés de cadeirinhas para os proteger atrás do carro, agachados, na rua. Cenas de uma cidade em guerra.

Durante os meses de janeiro e fevereiro a cidade recebe um volume grande de turistas. O que se viu foi a total ruptura da cola que haviam passado no casco do submergível. Assaltos mais violentos ainda, tiroteios nas principais avenidas que cruzam a cidade a interromper o tráfego de veículos. Cidadãos saindo de seus carros no meio do trânsito a deitarem-se na rua com medo de serem atingidos pelas balas. Pais a retirar bebés de cadeirinhas para os proteger atrás do carro, agachados, na rua. Cenas de uma cidade em guerra. Kafka já perdeu, de longe, na criatividade. Mas a praia, ah a praia..., estava lá, cheia de gente a achar que estava tudo bem e a dançar o funk “Que tiro foi esse?”.

O governador Pezão, num dos pronunciamentos no meio da crise de segurança, minimizou o drama e disse que o Rio de Janeiro não é a cidade mais violenta do Brasil. Alegou que estava tudo sob controle e que havia um plano especial de segurança para o Carnaval. Justamente quando o Rio de Janeiro mais precisava de atenção, a semana do Carnaval, o governador foi cuidar de seus pés tamanho 47 e retirou-se para um spa. Por sua vez, o prefeito (autarca) Marcelo Crivella - bispo em licença da Igreja Universal, figura patética e vacilante -, viajou para a Europa. Ao pesquisar na sua rede social lê-se o seguinte: “Marcelo Crivella, atual prefeito da cidade do Rio de Janeiro. Ex Senador da República pelo PRB. O objetivo de seu governo é cuidar das pessoas”. Cuidar das pessoas...

Na hora de cuidar das pessoas durante o maior evento de sua cidade, foi dar um passeio na Europa. Postou vídeos na sua rede social a dizer que estava em missão oficial a procurar soluções de segurança para a cidade. Ao jornal O Globo, o porta-voz do governo de Hessen, onde esteve, afirmou que o estado não foi informado sobre a ida de Crivella e que ele perdeu a oportunidade de ter contacto com um projeto piloto, sobre o uso de drones na segurança pública, sobretudo em áreas de difícil acesso. Crivella continuou mentindo. Também disse que faria o mesmo na Agência Espacial Europeia (ESA). O representante da agência disse que a visita foi de caracter pessoal, ele estava em passeio. Além disso, explicou que não vendem tecnologia de segurança, apenas operam os satélites da agência e são focados em estudos sobre os Buracos Negros. Talvez Crivella tenha pensado que Buraco Negro era uma referência ao estado em que ele deixou sua cidade antes de viajar e fez confusão. Coitado.

Enquanto isso, os turistas eram assaltados nas ruas por bandos enfurecidos e violentos. A televisão mostrava cenas assustadoras. A polícia, que segundo Pezão, estava preparada para actuar na segurança, não era vista nas ruas. O que se via era turistas sendo espancados por um grupo após reagir a assalto na praia. Ali, no Leblon, endereço nobre da cidade com apartamentos avaliados a peso de ouro.

Mesmo assim, os blocos de Carnaval saíram às ruas, porque Carnaval é Carnaval e o Rio de Janeiro é o Rio de Janeiro. Mais assaltos, mais telemóveis roubados, mais turistas agredidos, mais um buraco no casco.

Mesmo assim, os blocos de Carnaval saíram às ruas, porque Carnaval é Carnaval e o Rio de Janeiro é o Rio de Janeiro. Mais assaltos, mais telemóveis roubados, mais turistas agredidos, mais um buraco no casco. As cenas bizarras se multiplicavam com o prefeito a mandar vídeos da Europa e o governador, a dizer que estava tudo sob controle. Ele só não explicava que estava sob controle do inimigo. Mas a coisa piorou, piorou e piorou. Até que jogou a toalha. “Falhámos”, disse ele. O submergível já havia afundado.

Mas como tudo sempre pode piorar ainda mais, caiu um temporal no dia seguinte ao Carnaval que deixou rastos de destruição e quatro mortos. Se há algo bom para se observar na desgraça foi a sorte de quase todos os turistas que já tinham saído da cidade. Uma parte da ciclovia super-facturada, construída nas obras das Olimpíadas, desabou sobre o mar – já é o segundo trecho que desaba. Ruas alagadas, falta de luz, comboios parados, hospital na zona sul invadido por meio metro de água. A cidade ficou uma desgraça. E o prefeito? Bem, o prefeito ainda estava na Europa a passar frio, coitado.

O governo federal, então, decretou intervenção na segurança do estado e passou o comando das polícias civil e militar para um general do exército. O exército vai tomar conta do Rio de Janeiro e deverá controlar a segurança. Havia outra coisa a fazer no estado em que se chegou? Não. Era isso ou isso. Evidente que a sensação de segurança aumentará. Os soldados do exército terão poder de polícia e os marginais não vão vacilar porque se o general ficar bravo, pega a sua tropa de guerra e passa a pente fino cada morro da cidade. E tem gente para essa tarefa.

Os cabeças do crime devem estar furiosos com a ação do baixo clero da bandidagem que deu origem a essa intervenção do exército. Mas eles, os chefes, deixaram isso acontecer e agora não dá mais para reverter o quadro. Como consequência, o lucro do tráfico vai cair radicalmente nos próximos meses, uma vez que a venda de drogas será prejudicada. Sem dinheiro e com dificuldades para comprar armas e munições, a liderança nos morros ficará ainda mais vulnerável e a disputa de quadrilhas no comando pode se acirrar. E isso não é bom para ninguém. Quanto mais tranquila estiver a favela, mais paz terá o asfalto.

O crime organizado é quem comanda a segurança no Brasil. Se está tudo bem para eles, está tudo em paz para a população. Exceto por ações menores de bandidos que roubam telemóveis e carteiristas, é para esses que a polícia existe.

Exatamente nessa atuação dos bandidos, está a outra ponta dessa meada complexa que comanda o equilíbrio das coisas no Brasil  Quem comanda a paz não é a polícia, é o bandido.

O crime organizado é quem comanda a segurança no Brasil. Se está tudo bem para eles, está tudo em paz para a população. Exceto por ações menores de bandidos que roubam telemóveis e carteiristas, é para esses que a polícia existe. Há uma facção originária de São Paulo chamada Primeiro Comando da Capital, o PCC, que 'normaliza' a vida nas prisões e fora delas. Sem o crime organizado seria impossível para o estado, conter essas cadeias superlotadas. Sequer teriam agentes suficiente para isso. Mas eles, os líderes do crime, impõem regras de conduta dentro e fora das prisões. Com hierarquia e respeito, tudo fica controlado.

Mandam matar se for preciso, obrigam familiares a pagar mensalidades para ajudar a manter a facção e cobram dinheiro de bandidos que estão em liberdade. Todas as prisões de São Paulo estão nas mãos do PCC, e tudo vai bem enquanto o estado faz vista grossa. Até hoje não se instalou bloqueadores de telemóveis nas prisões, sim, os líderes têm telemóveis. E quando se tentou desmembrar a liderança da facção a enviar cada um para um local diferente, houve uma crise na segurança de São Paulo. Policias foram assassinados na porta das suas casas, postos policiais foram atacados a tiros por carros com criminosos armados até os dentes, esquadras sofreram atentados. Até que, sem alarde, poder público e bandidos chegaram a um acordo e tudo voltou ao normal. Algo como, ‘nós continuamos com os nossos roubos de mercadorias, o nosso tráfico, os nossos assaltos a bancos e vocês terão prisões controladas e a cidade em segurança’. Ninguém assume, mas isso aconteceu e a paz voltou. O PCC cresceu tanto desde sua fundação, que comanda várias prisões no Brasil. O que é um problema para as facções cariocas.

Quando o gato sai, os ratos fazem a festa.

Parte do descontrole na segurança do Rio de Janeiro nasceu com a disputa do controle dos morros. Um bom exemplo é o que houve na favela da Rocinha. Líder do tráfico local desde 2005, Antônio Francisco Bonfim Lopes, conhecido como Nem, fez uma gestão da comunidade com visão comercial. Tornou-se respeitado e, mais que isso, querido na favela. Passou a corromper policias, o que acabou com os conflitos. Ele sabia que a violência só ajudaria a diminuir as suas vendas. Investiu em caridade na comunidade e conseguiu aumentar a simpatia dos moradores pela sua liderança. Pela sua posição privilegiada na cidade, distante das demais favelas, a Rocinha tornou-se um local tão seguro quanto os bairros de classe média da zona sul carioca. As pessoas passaram a circular por lá sem medo, inclusive o turismo cresceu, com estrangeiros a conhecer suas vielas e o modo de vida local.

Mas o plano do governo do estado era instalar as Unidades de Polícia Pacificadora - UPP, nas favelas. Quando levaram a UPP para o morro de São Carlos, uma das favelas mais antigas da cidade, os chefes do tráfico, pertencentes à mesma facção de Nem, chamada Amigos dos Amigos – ADA, foram esconder-se na Rocinha. Nesse momento começa o declínio da paz na região.

Os traficantes vindos de outro morro, com outras práticas, começaram a ter conflitos com os moradores acostumados ao “bom-mocismo” de Nem, que passou a sofrer pressão e ameaças de morte até ser preso. O tráfico nas favelas com UPP estava prejudicado, havia uma crise financeira a crescer no ramo da droga. No Rio de Janeiro existem três facções e inúmeras milícias. Essas últimas surgiram na década de 1980, formadas por policias para matar os criminosos nas favelas. Passaram a vender segurança e demais serviços para os comerciantes locais, depois ampliaram para os moradores a cobrar pelo serviço de carrinhas, tv por cabo clandestina, moto-táxi, e uso de gás de cozinha. Os traficantes gostaram desse modelo de negócio e inseriram essa modalidade nas favelas sob o seu controle.

Com a prisão de Nem, quem assumiu o comando da Rocinha foi seu ex-braço-direito, Rogério Avelino de Souza, conhecido como Rogério 157. Ele desmontou o esquema construído por Nem e passou a actuar com o modelo das facções na favela. Ao saber disso, Nem ordenou, de dentro da prisão, que Rogério saísse da favela. Rogério não apenas ficou, como expulsou a mulher de Nem da Rocinha decretando o rompimento com o ex líder, e instalando a crise de segurança no morro.

Pouco tempo depois, Nem mandou seu exército de marginais retaliar os traidores e tomar de volta o controle da Rocinha. A favela virou um campo de batalha com artilharia pesada. A população, que não tem nada a ver com o crime mas mora nos barracos, ficou cercada. Houve casos de crianças atingidas a tiro no braço, dentro de casa, e os pais não tinham como sair para socorrer, tamanha a guerra estava a ser travada fora do barraco. Durou dias. Até que foram enviadas forças da Segurança Nacional. Os homens ligados a Nem recuaram e Rogério continuaria, não por muito tempo, no comando, até ser preso.

Com essa nova realidade de favela, o ambiente ficou mais violento a cada dia e os assaltos voltaram a assustar a população, assim como os arrastões e até saques a supermercados. Os bandidos menores, que não lucram com o tráfico, mas são contidos pelos líderes do morro, estavam livres para dançar o funk do momento e aproveitaram. Daí a razão de se ver bandos a rodear turistas para assaltá-los em locais que antes eram seguros e controlados pelos chamados “donos do morro”. Pelas redes sociais exibem armamento pesado com os quais enfrentam uma polícia sucatada. Impiedosos, matam sem pensar, seja um idoso, policial ou um bebê.

O exército ficará no Rio de Janeiro, em princípio, até ao final deste ano ou sairá antes, caso a normalidade se restabeleça. Isso adianta? Para hoje adianta e muito. O carioca não suporta mais essa insegurança. Quando o exército sair terá resolvido o problema de segurança na cidade? A resposta é não. Tudo voltará ao normal e o “normal”, o basal do Rio de Janeiro, sabemos bem qual é. Sem uma mudança realmente séria, um conjunto de ações e um projeto de longo prazo, esqueçam.

Paulo Cardoso de Almeida é colaborador do SAPO24, é brasileiro e vive em São Paulo.