Belarus é um país mais ou menos do tamanho do nosso, tanto em território como em população, com a grande diferença que não tem acesso ao mar. Rodeada por países ora amigos, ora invasores, conforme as épocas. (Rússia, Ucrânia, Polónia, Lituânia e Letónia), foi ocupado, integrou-se, separou-se. Para não ir mais para trás, em 1990 autonomizou-se, no tsunami da dissolução da União Soviética, e em 1990 declarou-se independente. Desde 1939 que pertencia oficialmente à U.R.S.S., e a queda do regime em Moscovo não se reflectiu, de facto, na recém-nascida república. Embora as relações entre os dois governos não tenham sido sempre as melhores, em 2000 assinaram uma União de Estados. A Rússia de Putin vê Belarus (nome adoptado posteriormente) como uma espécie de aliado incómodo, ali à mão se for necessário, e eventualmente absorvido de novo para a formação do projecto putiniano.
Independente, Belarus escreveu a sua constituição democrática como república presidencialista (quantas constituições não são “democráticas”?) e procedeu a eleições. Em 1994, quem as ganhou foi Alexander Grigoryevich Lukashenko, um homem que tinha feito uma carreira relativamente anódina como civil e militar na hierarquia local da União Soviética.
É preciso ter em conta que, embora 80% da população seja belarrussa, 71% fala russo. A sovietização do país era total aquando da independência, e a assembleia constituinte limitou-se a “regionalizar” as normas e a burocracia da U.R.S.S. Até hoje a maior parte da economia, sobretudo no sector secundário, está nacionalizada, e funciona o sistema de “castas” e interesses que funcionava desde 1939.
Lukashenko criou rapidamente uma nomenklatura e um círculo de subordinados fiéis nas forças armadas e e apaniguados coniventes na burocracia civil. Manteve a polícia política e a censura à imprensa. Tentou aproximar-se ao de leve da Europa, sem se comprometer muito, e a União Europeia, escandalizada com os seus métodos políticos e económicos, manteve-o a uma certa distância – o suficiente para irritar os russos, mas sem querer entrar em grandes disputas por um país que, afinal de contas, estava mais próximo do sistema comunista do que todos os outros que abandonaram a U.R.S.S.
E Lukashenko passou a ganhar sistematicamente as eleições previstas na constituição, com margens sempre acima dos 90% - cinco, ao todo. Não se afirmando abertamente comunista – lukashenquista seria o termo mais apropriado – abriu relações com a China e entrou na ONU e em algumas organizações de cooperação regional, ao mesmo tempo que apertava o controle do país a níveis brutais. Basta dizer que todos as plataformas sociais têm de passar por um servidor nacional, o que lhe permite ligar e desligar a internet internacional quando lhe convém. Nas eleições de 2001, quatro opositores desapareceram. Nas de 2010, o principal opositor Andrei Sannikov, foi sovado e mantido num sítio secreto durante dois meses, sendo depois julgado e condenado a cinco anos de prisão por “incitar protestos”.
Não é sem razão que se diz que a Belarus é a última ditadura da Europa. Lukashenko, com os seus vistosos uniformes que lembram os porteiros dos hotéis de antigamente, mantém uma clique de generais com uniformes igualmente operáticos, de funcionários em eterna disputa pela proximidade do líder, e “empresários” tão alinhados com os seus interesses como os da China com os do PC chinês. Não há espaço para brincadeiras nem veleidades.
Em Março, quando o mundo tomou consciência da Covid-19, Lukashenko alinhou com Trump e Bolsonaro na desvalorização da pandemia, apresentando-se num grande torneio de hóquei no meio do povo, todos sem máscara ou distanciamento. A Covid-19 não fazia parte dos seus interesses políticos ou conhecimentos sanitários, e portanto era essa a ordem passada ao povo em geral.
Em Março também encorajou os trabalhadores a guiar os seus tractores, que curariam toda a gente: “Os campos são a melhor cura”. Depois chamou à pandemia uma “psicose”, e disse: “Mais vale morrer de pé do que viver de joelhos”.
Numa entrevista em Abril o ministro dos Negócios Estrangeiros, Vladimir Makei, disse que sentia vergonha em usar máscara quando entrava numa loja e opinou que uma quarentena nacional não seria a melhor maneira de travar a pandemia. Mas, depois disso, o Governo foi obrigado a fazer duas quarentenas, sem grande vontade. Foi a população que se mobilizou, à revelia do sistema de saúde (que é muito bom) e fabricou máscaras e criou regras tácitas de comportamento. Graças a estes esforços das “bases”, em Agosto, Belarus tinha 70 mil casos confirmados e apenas 600 mortes.
Mas a mobilização popular para combater a pandemia também serviu para reforçar as organizações não governamentais e aumentar o descontentamento com o regime. Daí que nestas últimas eleições, na semana passada, a movimentação tenha sido muito superior às anteriores. Havia três candidatos: o youtuber e blogger Siarhei Tsikhanouski, o banqueiro Viktar Babaryka, e o diplomata e empresário Valery Tsepkalo.
Tsikhanouski e Babaryka foram presos e Tsepkalo não conseguiu candidatar-se. Foi então que três mulheres – as mulheres de Tsikhanouski e Tsepkalo e a chefe de campanha de Babaryka, juntaram forças, formaram o Centro de Comando Unido e lançaram Svetlana Tikhanouskaia, de 37 anos, mulher do blogger, como candidata.
Correu tudo como previsto. No Domingo, dia de ir às urnas, toda a internet foi desligada. Nem os candidatos conseguiam comunicar com os seus apoiantes, nem os jornalistas estrangeiros conseguiam mandar notícias. Os resultados, rápidos, deram 80% a Lukashenko e apenas 10% a Svetlana. Mais uma vez do salvador da pátria era abençoado com o apoio total dos súbditos.
Só que desta vez a situação desviou-se do guião. A população, farta de ser enganada, saiu às ruas, todos os dias, de segunda-feira até hoje. O que é extraordinário é terem conseguido organizar-se sem qualquer acesso online. Pelo menos dois manifestantes morreram, mais de 200 sofreram ferimentos e cerca de 6000 foram presos. Em vão as famílias procuram saber deles, mas aqueles que entretanto foram soltos mostram na carne a pancadaria a que foram sujeitos. Militares, forças para-militares e agentes à paisana revezam-se a bater em toda a gente, e usam balas (nem sempre de borracha) bombas atordoadoras e gases para dispersar as manifestações. A repressão é aberta e feita com empenho.
Svetlana fugiu para a Lituânia com os filhos, para não desaparecer também.
Apesar desta eleição não lhe ter corrido tão gloriosamente, vários observadores internacionais acham que ainda não é desta de Lukashenko cai do cavalo. As manifestações, por muito sentidas que sejam, têm vindo a diminuir. Não parece haver hipóteses dum golpe. E os países estrangeiros interessados na Belarus não vêem vantagens em meter-se com o ditador. A UE ameaça com sanções, mas as discussões dos 27 países membros nunca são fáceis.
Mas, nunca se sabe; vivemos num momento da História em que tudo parece possível – sobretudo o impossível!Bielorrussia: Chefes de diplomacia da UE dão ‘luz verde’ a sanções
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