No entanto, como já ouvi dizer, antigamente é que era bom…

Não só Salazar não tinha um blogue porque a internet não existia como, se existisse, não estaria disponível para todos nós. Tal como a Coca-cola, essa água suja do capitalismo ou a televisão a cores, também modernices como esta, que permite a partilha, a troca e a interação, eram perfeitamente dispensáveis.

Antigamente existiam muitos temas tabu, a censura era um facto, e a palavra liberdade raramente era evocada, a troco de uma suposta segurança assente na ignorância que, hoje, se mantém, apesar da aparente informação. Se na altura sofríamos com a falta de informação, agora vivemos no reino da desinformação em que todos se julgam muito informados, donde, autorizados e com autoridade para comentar.

Normalmente, no pior sentido do verbo.

Salazar garantia um eficaz serviço de censura prévia às publicações periódicas, emissões de rádio e televisão, fiscalização de publicações não periódicas nacionais e estrangeiras, velando permanentemente pela pureza doutrinária das ideias expostas, a defesa da moral e dos bons costumes. E que costumes teria hoje para zelar… O que seria a censura prévia a um artigo publicado num blogue? Como na rádio, na qual o direto justificava muitos “deslizes”, também na internet podemos alterar constantemente o que está escrito, por isso, também hoje os censores teriam um árduo trabalho a conferir os textos de um blogue. De vários. Milhares! Ainda que alguns dos que existem, ou algumas contas de Facebook, sejam potentes armas discursivas ao serviço do poder político, também estas têm, agora, maior dificuldade em legitimar as novas ditaduras. Apesar do sistema ser, agora, (aparentemente) livre, continua altamente controlado. Mas antes, dizem, é que era bom…

O blogue de Salazar pouco ou nada teria para contar. Homem poupado e de poupanças, também economizava palavras. Talvez desse umas dicas sobre isso mesmo, quem sabe?… Homem de palavras medidas - e comedidas - fazia anunciar o seu regresso à metrópole, sem nunca se saber que tinha saído. A sua conta de Instagram seria, por isso, um imenso tédio de regressos, ao contrário da tendência para fotografarmos a partida, as malas no aeroporto ou a cama do hotel.

Na altura não comentávamos o sarampo no Facebook e mais do que três pessoas na rua já poderia ser entendido como uma manifestação. Os nossos blogues - das mulheres - seriam principalmente da mulher-mãe e dona de casa, local onde passávamos a maior parte do tempo, sem grande interesse pela política e o mundo. O blogue do mundo doméstico, das receitas e dedicação à família. Ser mulher também é isso, mas é muito mais e os blogues que hoje existem demonstram-no bem. Mas, antigamente, ouvi dizer, é que era bom… Não se bloqueavam pessoas no Facebook porque a sua opinião é diferente da nossa. Bloqueava-se a vida dessas pessoas, enclausurando-as. Outros tempos…

Não tenhamos qualquer dúvida: para o bem, e para o mal, a internet deverá ser um dos símbolos da liberdade, o computador e o smartphone as suas ferramentas e um blogue a sua potencial concretização. Como em tantas outras coisas na vida, só daríamos o verdadeiro valor à liberdade que temos se Salazar tivesse um blogue... Tudo pode acontecer exceto isso, o que nos garante uns quantos comentários toscos nos sites de redes sociais ou nas páginas de notícias, o destilar de ódios de estimação ou paixões assolapadas por um imenso vazio que, no reino da imagem aparente em que se transformou a internet, parece conteúdo de verdade.