Proposta: tal como o PCP opta por não chamar “invasão” a uma invasão, devíamos deixar de chamar “bombas de gasolina” às bombas de gasolina. Vivemos numa altura em que um povo efectivamente tem enfrentado graves problemas com bombas e fica-nos mal estarmos aqui a queixar-nos de outro tipo de bombas. A subida dos preços dos combustíveis tem um impacto brutal sobre o rendimento das famílias e as operações das empresas, mas o governo e as petrolíferas tiveram sorte: estamos em guerra e por isso cai mal estarmos a manifestar-nos contra algo que, comparativamente, parece só um inconveniente menor.
Mas não é. A subida dramática dos combustíveis, num país de baixos salários e que optou por ter uma relação fugaz com o teletrabalho, é mais do que uma frivolidade. Os portugueses estão condenados à utilização compulsiva do carro e o argumento “andem de metro” funciona, no país todo, no máximo para meia área metropolitana. A ficção científica previa que em 2022 houvesse teletransporte, a realidade é que em 2022 nem sequer há transporte. Felizmente, o governo tomou medidas drásticas e inovadoras para combater a maior subida dos combustíveis de sempre: o velho autovoucher. Nada como resolver o problema com uma medida que vem com livro de instruções. Se muito se critica o atraso de Portugal em vários aspectos, a verdade é que este governo tem sido revolucionário na gamificação da vida das pessoas.
Os aumentos dos preços desta segunda-feira não coincidiram com as pavorosas previsões. Na verdade, excederam-nas. 11 cêntimos a mais na gasolina, 15,5 cêntimos a mais no gasóleo (sim, sim, a malta que tem um carro a gasóleo, sempre ali uns 15 cêntimos mais barato, já andava a gozar o prato há muito tempo). As gasolineiras recusam-se a explicar porque é que subiram os preços acima do previsto - em princípio, o aumento excecional estará relacionado com o muito imprevisível “contexto internacional” e “os mercados”, sempre nervosinhos, e nunca com o “não me está nada a apetecer nada lucrar menos”. Enfim, a minha sugestão é fechar o “contexto internacional” e “os mercados” numa sala com um taxista.
Já não faz grande sentido aquele gracejo de pai que consiste em alegar que determinado veículo “bebe mais que o dono”. Nas atuais circunstâncias, é mais indicado que o carro fique na garagem e o dono vá afogar as mágoas no bar, que é mais barato. Dentro de todos os preparos de mixologia, o cocktail molotov é neste momento o mais caro da carta. Logo nesta altura, em que é bem mais útil do que um Sex on The Beach com um pequeno chapéu.
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