Há um país para (re)pensar. Mas um país que se queira competitivo, modernizado e pluralista, só estará apto a combater os desafios das próximas décadas – crise demográfica, transição digital, alterações climáticas, descentralização – com o esforço concertado de cada cidadão, imbuído num sentido de missão, corporizado por valores cívicos. Precisamos de uma economia aberta, assente em inovação, diversificação do portefólio dos interlocutores, e qualificação dos profissionais. Precisamos de um ensino público robusto, simbiótico com o mercado laboral. Precisamos de ciência, de cultura, instituições de justiça isentas, de equidade social. E de saúde. Não só a que se esgota no modelo biomédico. Mas o que o transpõe, e nos (des)humaniza. De saúde mental – que é também emocional, psicológica e social. Apontamos, assertivos, os eixos estratégicos que definirão que País nos transformaremos.
Mas esquecemo-nos do essencial, da condicionante invisível, e nem por isso, menos transversal.

No mundo do pós-guerra, de uma pandemia em transição, a saúde mental nunca esteve tanto em risco. Que faremos, quem seremos, se não a salvaguardamos? À luz das repercussões mencionadas, questiono o estado da saúde mental em Portugal – e que ações se poderão tomar, para prevenir doença e promover bem-estar. A Literatura é inequívoca: o trabalho remoto, o isolamento e as quarentenas representam, em pessoas predispostas, fatores de risco para perturbações psiquiátricas. Enquadrando os consensos médicos na realidade do país, pautada por elevadas taxas de prescrição de antidepressivos e ansiolíticos, é urgente a construção de um Guia de Políticas Públicas para a Saúde Mental no pós-pandemia que se debruce nos novos modelos de trabalho, numa estratégia de prevenção de doença, liderada pelos cuidados primários, e na literacia da população. Um conjunto de medidas holísticas, firmadas numa perspetiva de futuro.

Assim, no âmbito de uma estratégia tricotómica, é essencial discutir o modelo de quatro dias de trabalho. Ponderar uma aplicação sequencial, no setor público e privado, com uniformidade nos dias de descanso. Torna-se relevante ponderar os efeitos diretos na saúde mental, mas, sobretudo, os indiretos. Os estudos equacionam um efeito positivo no crescimento económico, por estímulo do consumo interno, um efeito incremental na produtividade, ou ainda, no fomento da criatividade, ferramenta estruturante das economias competitivas – afinal, Pedro Almodôvar escreveu os seus guiões nas horas de lazer. Ao nível da Promoção de Saúde e da Prevenção de Doença, sabendo que é nos cuidados primários que se encontram a maioria dos doentes, é necessária uma plataforma colaborativa, onde Psiquiatras sincronizem abordagens com Especialistas de Medicina Geral e Familiar: na prescrição de psicofármacos, nas terapêuticas não farmacológicas, e na criação de um Manual de Boas Práticas, que se debruce na atuação dos diferentes técnicos de Saúde Mental. Por fim, é imperativo um foco na auto-capacitação das populações, abrindo possibilidade à criação de grupos de apoio, que promovam partilha de emoções e expectativas. E que se excedam, estruturando uma verdadeira rede de empowerment através de requalificação profissional, auxilio na procura de emprego, projetos de reinserção social, supressão de carências económicas. Afinal, a educação prevalece uma das medidas mais custo-efetivas que os decisores políticos têm à sua disposição.

Acredito na imperatividade de reinventar o paradigma com que se discute saúde mental. E na certeza que tal se deverá enquadrar numa abordagem mais ampla, que analise o modo como são prestados cuidados no Serviço Nacional de Saúde. Melhor saúde mental implica um SNS mais robusto, que equilibre maior suplementação e ganhos de eficiência. No final, todas as ambições estratégicas voltam ao ponto de partida – é no sentido cívico de cada cidadão, que se debate, no dia-dia, por uma realidade melhor, que se encontram as respostas mais arrojadas, aos desafios mais prementes.