Isto foi o que eu pensei. O café da minha aldeia, que na verdade não é um café mas uma pastelaria que também é restaurante, take-away e, por vezes, um ponto de socorro (dá para tudo, de um analgésico para a dor de cabeça a um saco de farinha de mandioca) é um lugar de enorme privilégio. Ali trabalha uma mão-cheia de mulheres, de idades e perfis diferentes, cuja sabedoria está num sorriso e na capacidade de encaixe. 

A vida não é fácil, mas pior do que isso: às vezes, muito difícil. Começou o Verão, a malta veio de férias, mas não terá ainda entrado nesse mood ou, simplesmente, gosta de ser malcriada. As senhoras e meninas que trabalham no Ponto M, sito na aldeia do Meco, não pensam como desmantelar criaturas antipáticas, sorriem e respiram fundo. Eu, com malcriados armados aos cágados, tipos que acham que podem tudo porque têm um cordão de ouro ao pescoço, ou uma bodega de um Tesla estacionado lá fora, passo-me. Não desculpo nem tenho paciência com quem trata mal o Outro, só porque pode. Porque está na posição de cliente. 

O que originou esta minha zanga? Imaginem que a aldeia, deserta grande parte do ano, é invadida de repente. É o mês de Julho. O Verão é o momento alto. Do ponto de vista comercial, existem aqui restaurantes, mas também outros estabelecimentos, e os três meses mais quentes do ano permitem armazenar, digamos assim, para o Outono e Inverno. Neste sítio incrível, onde existem mulheres admiráveis, aparecem criaturas que não podem esperar dez minutos por uma torrada ou dois minutos por um café. São pessoas que estão de férias, têm o tempo contado, vá, e querem ser servidas. Quando o tempo não os favorece, expõem-se e todas as suas misérias ficam à vista. Não estou a falar de genitália, estou a referir-me à falta de civismo, de educação, de tacto. 

O senhor na mesa do lado pediu uma torrada. O sítio estava ao rubro, uma enchente que implicaria com os nervos de qualquer um. As senhoras passam pelas mesas, dizem bom-dia, são simpáticas, têm um bloco para apontar o pedido. O senhor pediu a tal da torrada – as torradas aqui são maravilhosas e vêm sempre com um doce de abóbora caseiro que é do além. Tudo bem, um pedido legítimo (embora não tenha dito “se faz favor”, uma coisa assim básica, que faz falta na vidinha da malta). O tempo, que o senhor considerou razoável para ter a torrada na mesa, passou. Compreende-se. A fome pode instalar-se. O que não pode acontecer é uma criatura ser desagradável e mal-educada; tentar diminuir e humilhar quem serve à mesa. A esta gente, só com um pano encharcado na tromba. Não há outra forma. Eu não tinha o dito pano, contive-me e respirei fundo. A criatura abandonou a cena, convicto da sua certeza, tão pobre na sua humanidade. Bradou ao mundo a incompetência, o fraco serviço, a lata de não o servirem, quem pensam elas que são? Pois, nem a torradeira se encolheu com o desaforo. E blá blá blá na direcção do automóvel sustentável e ecológico e XPTO. Boas maneiras? Delicadeza? Nem vê-la. O café inteiro respirou de alívio. E eu pensei: talvez não volte, pode ser que vá morrer longe.