Tive muita dificuldade em lidar com as transformações do meu corpo. Não me sentia segura. Um dia aconteceu, ele deu-me uma bofetada. Gosto de sexo. Nasci para ser mãe. Não quero ter filhos. Fiz um aborto. Sou feliz, fazemos amor e é o paraíso. Gosto de mulheres. Desde que o meu marido morreu não sei quem sou. O meu marido atirou-me ácido porque o dote era fraco, acontece muito na Índia. Eu trabalho como um homem. Eu trabalho mais do que um homem. Gosto de ser mulher. Sinto-me bonita. Posso fazer o que quiser. Ganho mais do que os homens à minha volta.

Estas são algumas frases do extraordinário documentário "Mulher – Woman", o mundo através dos olhos das mulheres, um trabalho da jornalista Anastasia Mikova e do fotógrafo Yann Arthus-Bertrand. Resulta de um trabalho árduo e feito em cinquenta países do ocidente ao oriente. Para reflectir sobre o que é ser mulher e como vivem em diferentes pontos do planeta e com culturas muito distintas, foram ouvidas e entrevistadas mais de duas mil mulheres.

O documentário é comovente, é esclarecedor, é revelador de realidades múltiplas, mas sempre assente no princípio que é a afirmação: sou uma mulher. O fotógrafo e co-autor do projecto revelou ainda que todas as entrevistas foram feitas por mulheres, não podiam ser homens. "As perguntas são bastante íntimas, são mulheres a falar para mulheres. A Anastasia e eu tínhamos um conjunto de pressupostos: tivemos pessoas que prepararam localmente as perguntas, porque não é fácil falar para uma câmara, quando se vai falar sobre a nossa vida íntima para milhões de pessoas. As pessoas têm de estar preparadas e concordar em fazê-lo, isso exige um trabalho de preparação. Filmámos dois anos, mas tivemos quase um ano de preparação antes disso". E acrescenta: "Pode-se dizer que colocámos um ou dois minutos no filme, mas as entrevistas duram de duas a três horas, é um pouco como ir a um psiquiatra: a certa altura as mulheres já não falam pela câmara, mas por elas mesmas. Simplesmente libertam-se, elas estão no escuro com uma luz à sua frente, mal vêem a jornalista, olham para a câmara e isto torna-se uma conversa muito pessoal".

O sucesso do documentário talvez se prenda com a força dos rostos, das vozes, da veracidade e comoção de cada relato.

É que ser uma mulher implica muitas coisas: a evolução do corpo, as mamas que são grandes e que obrigam a uma exposição maior, a menstruação sobre a qual alguém nos falou ou guardou silêncio. Ser mulher é ter filhos, é saber que se aguenta um emprego, dois empregos, porque é preciso arranjar dinheiro. É tirar uma licenciatura na universidade de topo. É maquilhar o rosto ou colocar adereços nos cantos da boca. É ter maridos e mulheres. É mudar de sexo e reclamar que se é mulher, sempre se foi mulher. É ter removido uma mama por causa de cancro. Ou ser impedida de ter filhos. Ou obrigada a isso. É ter menopausa e suar e não entender a traição do corpo. Ser mulher está condensado neste documentário de duas horas ao qual se assiste de maneira algo hipnotizante.

Não viram? Vejam. Percebam que, no limite, o empoderamento feminino tem um caminho feito e outro por fazer. E que a intimidade revelada de cada uma destas mulheres, é um desafio à compreensão, à empatia, à solidariedade, ao orgulho.

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