L de LIVROS

Há puzzles, há filmes, há séries, há conversas e histórias a contar. E há livros! Nos primeiros dias desta trapalhada, era-me difícil ler. Era como quando entro num avião: há sempre um certo nervosismo a rondar o ar e a concentração parece coisa de outros tempos. Mas, com o avião em velocidade de cruzeiro e sem sabermos ainda quando iremos aterrar, a cabeça habitua-se e começa a voltar aquela gulodice de passar a página.

M de MOTINS

Por algum pedaço masoquista escondido no cérebro (que também me leva a ler sobre acidentes de avião antes de embarcar num avião — para me acalmar!), pus-me a ver com a Zélia (já os filhos bem deitados a dormir) o filme Contágio. Comparada com o filme, a realidade desilude: afinal, não há motins para contar aos netos. Em vez de se atirarem às montras, partirem lojas e queimarem veículos, as pessoas põem luvas e gritam «Não te aproximes! Lava-me essas mãos!!». Ah, e à noite cantam às janelas. Que filme mais estranho.

N de NAMORO

Leio reportagens sobre one-night-stands transformadas, por via do Estado de Emergência, em 30-night-stands. Casais que não se conheciam há um mês estão a viver juntos há um mês. Será que teremos casamentos do vírus, para compensar os divórcios do vírus, ou no fim vão todos à sua vida, sem saber como sobreviveram tanto tempo com aquela pessoa? Aposto que haverá de tudo, como na farmácia, e muitas histórias para contar aos netos (menos as partes censuradas). Por outro lado, há casais de namorados impedidos de se verem durante semanas e semanas. No fim, temo o pior. Ou talvez o melhor. Nove meses depois da ordem de libertação, veremos o que acontece.

P de PÁSCOA

Os dias tornam-se todos iguais. Vamos inventando maneiras de recriar os dias da semana e, agora, os feriados e as festas. Não há visitas aos avós, mas há caças ao ovo e muitos telefonemas. Hoje é Domingo de Páscoa e há mesas arranjadas por esse país fora, com familiares e amigos a aparecerem em pequenos ecrãs, ali ao lado do cabrito. Para dizer a verdade, será uma Páscoa inesquecível...

Q de QUARTO

Cada uma das divisões da casa passa a marcar a rotina: acordar no quarto (até aqui, tudo na mesma), passagem pela casa de banho (continua tudo igual), pequeno almoço na cozinha (nada a assinalar), aulas na sala ao lado dos pais a trabalhar (ups). Nesta semana de férias, por esse país fora, houve novidades: noites na sala, refeições na varanda, aventuras no corredor...

R de RUA

[Esta palavra está interdita, excepto nos casos previstos na lei.]

S de SKYPE

Na verdade, o que está a dar é o Zoom... não, espera, o meu irmão avisa-me agora que o Zoom já não está a dar. Agora é o Teams. Seja. O certo é que o Skype ganhou honras de Coca-Cola, ou seja, usamos a palavra — ou pelo menos as televisões parecem usar a palavra — para significar «videoconferência», envolva ou não o tal Skype. Seja Skype ou outro nome qualquer, as conversas à distância são o que nos consola. Para quem tem família e amigos noutros países, não é assim tão estranho — só é um pouco absurdo falar por Skype com aqueles que moram do outro lado da rua. Mas, por estas semanas, ninguém se queixa da famosa distância que os ecrãs, supostamente, criam. Agora, até agradecemos. E esperamos, pacientemente (ou nem tanto) o tempo em que os abraços deixarão de ser uma palavra dita antes de desligarmos um qualquer aparelho.

Marco Neves | Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. O seu último livro é o Almanaque da Língua Portuguesa.

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