— Então, e o jogo de ontem?

— Que jogo? Não me digas! Foi ontem a final do crossfit-padel em gravidade zero? Fogo, pensava que era de hoje a quinze.

— Não, pá. O futebol!

— Futebol? Isso ainda dá?

— Dá, dá. Foi a final da Super Liga Europeia. Los Merengues Latinos vs. The Turin Mobsters.

— Los quê? Agora estão sempre a mudar de nome, já não percebo nada. O meu pai chegou a ver o Real Madrid ao vivo.

— Sim, sim. Alteraram os nomes para venderem mais merchandising em NFTs. Por causa dos mercados emergentes e tal. Isto já depois da introdução dos estádios exclusivamente virtuais.

— Ah, sim. Epá, mas isso dos estádios com gente era giro. O meu avô tinha lugar cativo e tudo, vinha todas as semanas de Caldas da Rainha. Era aqui o Estádio da Luz, não era?

— Era. E percebo o que dizes. Ainda assim, estás a ser um bocado saudosista, não achas? Eu, antes de me mudar para o bunker ecológico, vivia naquele condomínio inteligente ali em cima. Sabes a dificuldade que era para estacionar, quando os adeptos podiam frequentar estádios? Uma família normal com seis Teslas passava a vida a dar voltas para encontrar lugar.

— Sim, não estás errado. Mas o jogo? Essa tal final. Quanto é que ficou?

— Ah, isso não sei se te posso dizer. Para saberes isso, tens de subscrever a app da Super Liga. A versão gratuita só te diz quem venceu. Tu não pagas? Achava que ainda gostavas de futebol. Por isso é que falei no assunto.

— Como assim, não dá para ver o jogo?

— Não. A versão gratuita deixa-te ver quem vence os jogos. A versão standard permite-te saber o resultado e podes conhecer a marcha do marcador num número limitado de jogos. Já a versão premium dá-te a possibilidade de assistir ao jogo, mas só consegues tê-la com convite e, basicamente, só bilionários é que a podem pagar. Em Portugal, acho que só o Cláudio André teve Super Liga Premium. E consta que já a vendeu.

— Digo-te já, isso parece-me um bocado injusto. Enfim, a verdade é que o futebol sempre foi um negócio. Mas olha lá, tu sabes quanto é que ficou. Diz lá, porra! Não confias em mim?

— Foram os The Turin Mobsters a vencer. O resultado — não digas a ninguém — foi zero a zero.

— Zero golos? Numa final? Que chatice.

— Sim, tem havido muito. Para tornar o desporto mais emotivo, foi regulamentado que os guarda-redes agora podem defender as bolas com um camaroeiro. Os atletas aperfeiçoaram a técnica, não é fácil marcar hoje em dia.

— Mas foi para prolongamento?

— Pá, já estou a falar em demasia. Bom, que se lixe. Um amigo meu que tem a versão Standard Plus (é a empresa dele que paga) disse-me que tiveram de fazer o clássico desempate.

— Ah, os penáltis.

— Penáltis? Isso já não existe desde o mundial de Marte. Falo do clássico desempate. O desempate por valor em bolsa.

— Olha, estou mesmo fora dela.

Stock shootout, é como se chama. As duas partes de 15 minutos acabaram com um empate às 16h32. O valor das acções dos Los Merengues Latinos andavam a cair há uns meses, lixaram-se. É o que dá, quando se aposta em jovens-promessas para os corretores.

— Interessante.

— O bot-treinador ainda foi para a conferência de imprensa queixar-se da CMVM, mas em princípio não vale de nada.

— Olha lá, desculpa que te diga, mas dá-me ideia que isso foi tudo assim um bocado para o mal pensado.

— Nisso tens razão. Para o ano, já só se qualificam os clubes que tenham crescido 10% ao ano, na última década. Para separar o trigo do joio.

— Hm. Isso não deturpa a função social do desporto?

— Não, pá. Não percebes nada disto. Tudo isto é essencial. É essencial para que salvemos o futebol.

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