No décimo segundo ano, inscrevi-me na disciplina opcional de Ciência Política. Infelizmente, era a primeira aula da manhã, à sexta-feira. Frequentemente, o “despertador não tocava” e acabava por me atrasar e não conseguir assistir à lição. Contudo, a disciplina tinha testes, portanto tive de me esforçar para perceber os círculos uninominais em vigor no sistema eleitoral britânico. A frase que o resume consta também do jogo de consola Singstar Abba: the winner takes it all.
The liar that took it all ["O mentiroso que levou tudo"], Boris Johnson, não aparece vindo do nada nestas lides do populismo. Cultivou o eurocepticismo no Daily Telegraph nos anos 90, propagando mentiras como a de que a Europa iria implementar a obrigatoriedade de “caixões UE”, de tamanho único. Uma geração mais tarde, na campanha do Leave, ajudou a espalhar o engano de que o Reino Unido enviaria 350 milhões de libras (mais de 400 milhões de euros) para a União Europeia por semana. Nessa campanha, capitalizou nos medos dos britânicos, tanto quanto a uma imigração massiva de turcos (que ameaçou estarem prestes a entrar na UE), como em relação à suposta imposição de Bruxelas de um tamanho específico de bananas. Boris Johnson mente e ganhou protagonismo político através da mentira.
A verdade é que Boris Johnson dificilmente poderá ser acusado de não ter toda a legitimidade para governar e para levar a cabo o Brexit. Mais próximo de Ventura do que de Trump, Boris Johnson não está emocionalmente sequestrado pelas suas convicções, que é como quem diz, é um catavento político. Obteve agora um resultado que lhe permite escolher como o processo se desenrolará. Tanto pode apontar para o centro - e negociar um Brexit moroso mas mais sustentável - como pode aliar-se à extrema-direita - e tirar o penso de forma rápida e dolorosa, sem possibilidade de cicatrizar.
Quanto ao Labour, as bases trabalhistas rejeitaram Corbyn como se rejeita Pepsi num restaurante. “Para votar, pode ser um Trabalhista.” “Só temos Corbyn.” “Ah, Corbyn não gosto. Traga-me então um Boris.”
Corbyn tinha um problema complexo em mãos. Por um lado, tanto colegas do seu partido como os seus eleitores urbanos, jovens, universitários defendiam um segundo referendo ao Brexit. Por outro lado, o seu eleitorado rural dificilmente perdoaria que se pusesse em causa a sua vontade expressa de abandonar a união. Corbyn apostou numa neutralidade que também não o ajudou. Sendo assim, o Labour perdeu vários assentos parlamentares num conjunto de círculos eleitorais da “red wall”, compostos por pessoas que tradicionalmente votariam nos trabalhistas, mas que apoiaram o Brexit de forma nítida. No fundo, para além da sua genérica impopularidade e da falta de clareza da sua mensagem, Corbyn também perde as eleições porque tratou o Brexit como quando uma namorada pergunta se a sua amiga é gira:
United Kingdom (UK): “Olha, ficavas na UE?”
Jeremy Corbyn (JC): “O quê? Nunca pensei nisso, amor.”
UK: “Mas ficavas lá?”
JC: “Hm… Não é o meu estilo.”
UK: “Ok, mas ficavas?”
JC: “É um pouco oferecida.”
UK: "Mas ficavas?"
JC: "Decide tu."
Estas eleições não revelam uma crise da democracia, uma vez que a mensagem do Brexit foi indubitavelmente aprovada. É claro que um mandato de cinco anos comporta mais do que a negociação da saída - há uma simplificação da mensagem, como houve no referendo. Contudo, assistimos a uma ainda mais vincada manifestação de um conflito geracional e de classe. Algo que se intensificará na próxima década, já que pela primeira vez na História há mais avós do que crianças e em que as prioridades das elites urbanas e das populações rurais dificilmente serão as mesmas. The winner will take it all, pelo menos até que as pessoas contemporâneas dos Abba deixem de votar. Ou que todas as que nunca ouviram falar da banda votem.
Se o Brexit em 2016 foi o início de uma era na política do “eu-não-acredito-que-isto-está-a-acontecer”, as eleições de ontem foram a confirmação daquilo que é o novo normal. Os americanos têm 11 meses para descobrirem uma forma de o inverter.
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