Tu escreves rápido, escreve lá, ninguém te paga, é verdade, mas estes são tempos em que temos de estar unidos, a cultura importa. Em resumo, foi esta a conversa que tive com uma alma que acha que eu tenho, à força, à borla, à velocidade da luz, de escrever cinco mil caracteres sobre a literatura portuguesa. Não sou especialista, não sou professora na área, escrevo livros, mas isso não é o objectivo, nada de falar do que faço, abordar a literatura portuguesa como um património. A criatura menciona ainda nomes de escritores, todos homens, mas isso que importa? Respondi educadamente que não tenho como, estou no meio de um trabalho que me exige muito. É mentira. Sim, eu sei que corro o risco da pessoa que me falou ler esta crónica (será que já leu alguma coisa da minha safra? Perguntas como esta são uma grande chatice). Pouco importa. Eu tenho a elegância de não dar pormenores que possam denunciar quem instiga a trabalhar à borla, a pessoa fará o favor de não contar que recusei.
Porque é este episódio tão interessante? Porque é recorrente e denota uma manifesta falta de respeito pelo meu trabalho. A enorme Agustina Bessa-Luis disse um dia que era tão boa escritora como um marceneiro era bom a fazer uma mesa. Não vamos pedir uma borla a um marceneiro, canalizador, médico, arquitecto, mas vamos pedir, com uma facilidade extrema, a um escritor que tenha uma ideia, um pensamento, e que escreva em prol de uma causa qualquer. Não há justiça nestes pedidos, são absurdos. Ninguém está em condições de dar borlas, e escrever um texto implica trabalho árduo, implica tempo e cuidado.
Não vamos escrever uma coisa qualquer, afinal é o nosso nome, mas não temos como repetir uma canção, com novo arranjo talvez, mas a mesma canção. É pedido ao escritor que pense, pense gratuito, é certo, contudo espera-se uma ideia, uma voz. Eu deixei de fazer borlas, nada de textos sobre a literatura portuguesa, zero de prefácios ou textos de promoção de uma causa ou ideia. Decidi, agora aos 50 anos de idade é muito bom ter essa possibilidade de escolher e estar-me nas tintas, reivindicar o meu valor. Eu escrevo, eu penso, eu colaboro, eu tenho um preço. Todos temos um preço porque todos temos contas para pagar. Fica o recado.
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