Comecei a seguir o Super Bowl em 2003, quando a Sport TV, pela primeira vez, transmitiu o jogo mais mediático do mundo - que para os portugueses era uma espécie de fenómeno paranormal tal o desconhecimento do jogo. Curiosamente, o vencedor desse ano seria a equipa onde o mais famoso jogador da NFL a nível mundial acabaria a carreira.

Não foi uma paixão imediata tal a dificuldade em perceber um jogo tão complexo. E só vendo um jogo por ano, mais difícil era assimilar as regras. Mas nem isso me demoveu e ano após ano nunca mais perdi o Super Bowl. Começava nesse período a dinastia de Tom Brady. Nos dois anos seguintes vi o emblemático quarterback conquistar dois títulos, que se juntaram ao conquistado em 2001, no primeiro ano como titular dos New England Patriots.

Tom Brady é um nome incontornável do desporto mundial. Criou um império de vitórias e de títulos. Nenhum quarterback jogou tantos jogos. Nenhum jogador ganhou tantos títulos. Nenhum quarterback fez tantos passes para touchdown nem somou tantas jardas de passe. Aos 44 anos chegou a hora de dizer adeus ao último de uma geração de quarterbacks que marcarão para sempre a história do mais famoso desporto dos Estados Unidos da América.

Tom Brady entrou na NFL em 2000, ao ser escolhido pelos New England Patriots na sexta ronda do draft. A penúltima ronda de escolhas onde geralmente só cabem jogadores que dificilmente conseguem impor-se na NFL. Ninguém sonhava que estaria ali um dos jogadores mais emblemáticos da história do mais norte-americano dos desportos.

Para muitos considerado o GOAT - Greatest of all times (confesso que para mim não…) -, Brady marca duas décadas da NFL. Uma espécie de Super Homem, tal o perfil a fazer lembrar a perfeição de Clark Kent, que somou sete títulos de campeão. Ou seja, Brady tem mais títulos de vencedor do Super Bowl do que qualquer equipa na história da NFL (a era do Super Bowl começou apenas em 1967, sendo que a Liga de Futebol Americano já existe desde 1933).

Foram 22 anos a jogar ao mais alto nível quando ninguém esperava que Tom Brady fizesse sequer carreira na NFL ao ser o 199º jogador a ser escolhido no draft de 2000. Tornou-se lenda em New England, junto a Boston, ao levar o franchise do multimilionário Robert Kraft, os Patriots, a uma verdadeira dinastia. Foi ali que conquistou seis anéis de campeão do Super Bowl numa equipa que jamais havia ganho o Lombardi Trophy e que apenas por duas vezes na história tinha alcançado o jogo mais televisionado do mundo.

Mas falar de Brady é também falar de polémicas em que se viu envolvido, como o Deflategate em 2015 onde o lendário jogador deu ordem para esvaziar as bolas com que os Patriots atacavam na final de Conferência que decidiu o apuramento para o Super Bowl que os Patriots acabariam por ganhar. O jogador viria a ser castigado um ano depois com quatro jogos de suspensão e a sua equipa multada em um milhão de dólares, para além da perda de duas escolhas no draft. Esta foi a mais visível de algumas polémicas que fazem dele também um jogador que reúne algumas antipatias.

Polémicas à parte, Brady acaba por ser o líder de uma geração de talentos que sem dúvida marcaram os últimos 20 anos da história da NFL na posição mais emblemática deste desporto, o quarterback. Para os leigos, é uma espécie de número 10 do futebol. Um Maradona, Pelé ou Zidane que pauta o jogo. O quarterback é a posição que recebe a bola em cada jogada e a tem de passar aos colegas de equipa, conduzindo-a até à end zone, onde a bola tem de chegar para marcarem um touchdown, o golo do futebol americano.

Se há nomes que marcaram a posição de quarterback na NFL ao longo da sua história, como Joe Montana, Terry Bradshaw, Johnny Unitas, Steve Young ou Troy Aykman, nunca em duas décadas tantos talentosos quarterbacks se defrontaram em busca do tão desejado anel em cada época.

Brady é o cabeça de cartaz, pelos títulos e recordes conquistados, mas Peyton Manning, Drew Brees, Bret Favre, Ben Rothlisberger (que também anunciou o fim da carreira na semana passada), Eli Manning, Aaron Rodgers (o único ainda em atividade mas aquele que marca a transição para uma geração diferente de QBs), Kurt Warner e Phillip Rivers foram outros nomes que fizeram destes vinte anos um luxo para os amantes da modalidade. E que me fizeram apaixonar por este desporto (a chegada da ESPN América aos canais de cabo nacionais também ajudou, pois permitiu começar a ver os jogos todas as semanas).

Em comum, todos estes lendários jogadores têm uma capacidade de passe muito acima da média e um estilo de jogo muito similar e que começou a ver-se ultrapassado com os jogadores de nova geração na posição, muito mais móveis e menos jogadores de pocket, a zona do terreno onde o quarterback recebe a bola para iniciar cada jogada. Estes eram jogadores com menor mobilidade, com menor capacidade para correr com a bola e fugir às defesas contrárias, fazendo valer a precisão de passe para levar as equipas à vitória.

Como atrás referi, pessoalmente não acho que Brady tenha sido o melhor jogador que vi jogar, mas nenhum foi tão consistente como ele. Claro que nenhum jogador joga sozinho e por muito talento que tenha, como em qualquer desporto coletivo, é impossível resolver tudo sem qualidade à sua volta. Mas a verdade é que Brady sempre conseguiu fazer brilhar jogadores que noutras equipas nunca atingiram o mesmo nível.

Foram 318 jogos, a maioria ao serviço dos Patriots, a equipa onde todos achavam que Brady jogaria até o final da carreira. Porém, há dois anos, chegou a inesperada notícia de que Brady e os Patriots tinham decidido pôr fim a uma ligação de 20 anos. Muitos vaticinaram o fim da carreira do jogador, mas Brady mostrou que não estava acabado e seguiu para a Florida, local habitualmente procurado pelos reformados norte-americanos para viver, onde montaram uma equipa de luxo em seu redor e com a qual conseguiu vencer o Super Bowl logo no primeiro ano.

Apesar do desejo de jogar até aos 50 anos, algo nunca visto na NFL, essa vontade acabou por ficar pelo caminho. Após a derrota nos playoffs, há duas semanas, Brady decidiu juntamente com a mulher, a famosa top model brasileira Gisele Bundchen, que era hora de se dedicar à família e aos negócios. Terminar com mais um anel de campeão seria certamente o grande objetivo, mas a probabilidade de voltar a repetir o título iria seguramente diminuir com o avançar da idade. Ninguém dura para sempre, nem mesmo Brady e o lendário jogador mostrou que soube sair na altura certa. Perfeito teria sido há um ano com o anel de campeão do Super Bowl, mas a verdade é que neste último ano liderou a NFL em passes para touchdown e jardas de passe, nunca mostrando qualquer declínio apesar dos seus 44 anos.

Pessoalmente, o meu preferido será sempre Drew Brees, o homem que me fez apaixonar pelos New Orleans Saints, e com quem Brady tem uma forte amizade, tendo sido Brady o seu último adversário nos campos da NFL, quando eliminou a equipa do Louisiana nos playoffs rumo à vitória no Super Bowl de 2021. Entre eles somam a grande maioria dos recordes de quarterback e ficarão para sempre na história do jogo... até que alguém os supere.

Se nos recordes individuais do jogo isso parece mais plausível, no que a títulos diz respeito será difícil imaginar alguém que supere Brady. Agora chegou a hora de ver os quarterbacks da nova geração brilharem e alguns nomes saltam já à vista, como o de Patrick Mahomes, que poderá ser a próxima lenda da NFL, tendo em quatro anos de profissional somado duas presenças no Super Bowl, ganhando uma e perdendo outra (precisamente frente a Tom Brady há um ano) e mais duas finais de conferência, onde falhou o acesso ao Super Bowl, a primeira também caindo aos pés de Brady, ainda nos Patriots, e no passado fim-de-semana frente aos Bengals, que irão jogar dentro de semana e meio pelo título em Los Angeles frente aos Rams, que jogarão em casa

E é nos Bengals que encontramos outro dos possíveis sucessores de Brady: Joe Burrow. O jovem de 25 anos levou a equipa de Cincinatti ao Super Bowl pela terceira vez na história, 24 anos depois da última presença, procurando a primeira vitória da equipa após duas derrotas em outras tantas presenças. Se o conseguir fará história ao igualar os dois únicos quarterbacks da história que foram campeões no College (campeonato universitário) e NFL: Joe Montana e Joe Namath.

Não há dois sem três Joe’s? No próximo domingo 13 de fevereiro saberemos se Joe Burrow entrará nesse reduzido leque e se poderá ser o sucessor do agora reformado Tom Brady.