Sou um membro da família Acreditar e, como todas as outras histórias de crianças que passaram por uma doença oncológica, a minha é mais uma que começou com muita incerteza, desespero, dificuldades, mas sempre na esperança de que tudo iria correr pelo melhor.

Em julho de 2012, recebi aquele tipo de notícias que nenhuma criança e, sobretudo, nenhuns pais querem ouvir. Fui diagnosticado com cancro e, naturalmente, o resultado foi recebido com muita tristeza e transtorno. Sendo da ilha da Madeira, as dificuldades surgiram cedo. Desde logo, com a necessidade de ter de me deslocar pela primeira vez da minha ilha por motivos de saúde. Foi uma mudança descomunal para mim e para os mais chegados, mas, contra todas as expectativas e incertezas deste “mundo novo”, sentimo-nos apoiados logo após a chegada a Lisboa.

Apesar de não estar completamente consciente daquilo que estava a acontecer, deste novo mundo que estava a conhecer, o acolhimento na Casa Acreditar e a proximidade com todas as outras famílias que lá se encontravam serviu-nos de lugar de conforto e mostrou-nos que não estávamos sozinhos nesta luta.

Foram tempos de muitas alegrias e algumas tristezas, de muita angústia e esperança, de muita dor e de muita garra, de muita fraqueza e força. Uma mistura de sentimentos. Pouco a pouco, aquele sítio, aquele ambiente, aquelas pessoas, tornaram-se “casa".

Encontrar, numa só casa, diferentes famílias, de várias partes do país e até além fronteiras, permitiu-nos construir naquele lar um espaço de partilha, de companhia, de coragem e de força, pois todos os corações batiam em uníssono pelas melhoras de quem por lá vivia. Sem dúvida que foi um ponto de viragem na minha vida, pois esta experiência moldou a minha forma de ver a vida, a minha forma de estar na vida e a minha forma de sentir a vida. Hoje, olho para trás e recordo aqueles momentos com muito carinho.

E quando pensei que aquela mão amiga ficaria por ali, com o fim dos tratamentos, estava bem enganado. Após dois longos (mas curtos) anos estava eu a finalizar os tratamentos e também o ensino secundário. Iniciava-se uma nova fase, a faculdade. Para minha surpresa, a Acreditar queria também fazer parte desse meu percurso.

O Programa de Atribuição de Bolsas de Estudo a Barnabés (barnabé, na Acreditar, é o nome que se dá a todos os que estão ou estiveram doentes) apoia estudantes que querem seguir o Ensino Superior, incluindo eu. Desde o início, vi este gesto, esta vontade de ajudar, como um apoio incondicional, uma presença constante que nos permite ultrapassar aquele momento difícil das nossas vidas e também a nos ajudar a dar os primeiros passos numa fase de transição e de reintegração no curso normal das nossas vidas. Senti isto como um voto de confiança e de força. Apesar do que eu e outros barnabés passamos, tínhamos tudo para abraçarmos novamente a vida com outros olhos, com esperança e alegria. 

Optei por estudar fora da terra que me viu nascer, no ISEG, em Lisboa. Naturalmente, esta decisão acarretou um maior esforço financeiro para a minha família. No entanto, a bolsa proporcionou um grande alívio, deixando-me mais seguro e confiante de que este esforço iria valer a pena. Passaram-se cinco anos e, no meio, uma licenciatura e um mestrado. No fim, consegui formar-me em Gestão e mais tarde em Finanças. Um sonho que parecia difícil, mas que se tornou realidade.

Entre saudades e muito estudo, foram várias as viagens de ida e de volta à ilha, foram muitas as amizades e os momentos que construí ao longo deste caminho. Conheci a minha cara-metade neste trajeto e foram tantas as pessoas que me apoiaram às quais sou eternamente grato. Aprendi imenso, mas sobretudo e mais importante, cresci como pessoa. Tudo isto foi possível em parte pelo apoio incansável da Acreditar, em querer sempre acompanhar da melhor forma os barnabés que querem continuar a lutar pela sua vida e pelo seu futuro. 

Tudo isto transcende os horizontes invisíveis impostos pelo cancro pediátrico. Não se trata apenas de apoiar, de todas as formas possíveis, todas as crianças com doença oncológica e respetivos familiares, mas também ajudar os barnabés a darem os primeiros passos após fecharem esse capítulo das suas vidas, contribuindo para a construção de um futuro promissor e risonho. 

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A Acreditar existe desde 1994 com o objectivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança, no jovem e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, jurídico entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica.