A proposta de Orçamento do Estado para 2025 apresentada ontem já fez correr muita tinta, mas, dias antes, o Tribunal de Contas veio dizer que é impossível certificar as contas do Estado de 2023 por "omissões e erros materialmente relevantes". E ninguém ligou nenhuma.

Ou seja, o Tribunal de Contas, que fiscaliza a legalidade das contas públicas, vem dizer que não consegue certificar a Conta Geral do Estado (CGE), que é só o documento onde devem constar de forma clara e detalhada todas as verbas recebidas e gastas — no caso, no ano 2023.

Desta vez, o Tribunal de Contas faz 67 recomendações ao governo e à Assembleia da República para ultrapassar as fragilidades detectadas, mas o mais extraordinário é que em relação a 2022 já existiam 57 recomendações e o tribunal não tem qualquer informação sobre a sua implementação.

O que acontece é que as contas públicas não estão conforme a Lei de Enquadramento Orçamental, que é aquela que estabelece os princípios e procedimentos a seguir na elaboração e execução anual da Lei do Orçamento do Estado, porque não declaram todos os activos e passivos da Administração Central e da Segurança Social.

Ora, o parecer do tribunal tem também como objectivo informar os cidadãos sobre a aplicação dos recursos públicos, promover a transparência, a integridade e a responsabilidade das contas públicas. Que, convenhamos, não existe. E não existe, não porque sejam todos uns aldrabões, mas porque há muita incompetência instalada.

Em relação à Administração Central, por exemplo, a receita e despesa estão subvalorizadas — não inclui seis entidades, deduz indevidamente receita fiscal, regista incorrectamente dividendos, contabiliza despesas do PRR, omite dívidas e dá informação incompleta e não tem um inventário do património imobiliário, entre outras falhas. No caso da Segurança Social, o saldo está sobrestimado e as despesas sub-avaliadas.

Entre as recomendações do Tribunal de Contas — 67, repito —, está acelerar a execução do PRR e do Portugal 2030 para cumprir o calendário e ter os desembolsos da Comissão Europeia, assegurar a correta contabilização dos apoios concedidos, fazer a divulgação correcta dos universos do Sector Empresarial do Estado e das parcerias público-privadas e outras concessões.

Mas também, no caso da Segurança Social, reconhecer as prestações sociais a pagamento, fazer a verificação dos valores em dívida por contribuinte, com indicação da antiguidade e desagregados por cobrança voluntária ou coerciva, registar como incobráveis as dívidas de clientes sem possibilidade de recuperação ou rever as regras de investimento do Fundo de Estabilização Financeira, criar e regulamentar a tempo medidas de apoio de emergência e rever e controlar o regime extraordinário de apoio à renda.

A líder do grupo Parlamentar do PS, Alexandra Leitão, lamentou a "total ausência" das proposta do Partido Socialista do Orçamento de Estado preparado pelo governo e que agora vai ser discutido na Assembleia da República. Mas não a ouvi lamentar o parecer do Tribunal de Contas e as falhas detectadas nas contas públicas.

Oito anos de governo socialista não chegaram para pôr as coisas básicas da casa em ordem, como implementar um sistema de contabilidade definido já em 2015 ou fazer um inventário dos imóveis (e bens móveis, já agora) do Estado? É que só estas duas medidas, que parecem tão comezinhas, representariam um avanço extraordinário.

"Podíamos fazer muito melhor. O que isto nos diz, e o que eu costumo dizer sempre, é que se conseguimos fazer isto com ineficiência e com a obsolescência do nosso sistema de gestão orçamental, podíamos fazer muito melhor se nos transformássemos num país a sério ao nível dos modelos de gestão. Os ativos do Estado, como os imóveis, por exemplo, estão completamente desaproveitados". Quem disse isto não fui eu, foi o insuspeito e antigo secretário de Estado do Assuntos Fiscais (de um governo PS) Carlos Lobo.

Portugal, em 2015, foi o primeiro país a fazer a mudança da legislação para um novo modelo de gestão. A legislação existe, mas o modelo não está a ser aplicado. E a aplicação do regime aprovado em 2015 está na proposta deste governo, o que é muito bom.

Mas o PS de Pedro Nuno Santos — que, por acaso, é o mesmo de António Costa, que, por acaso, é o mesmo de José Sócrates —, o que queria para viabilizar o Orçamento do Estado é que o governo apostasse nas suas três grandes prioridades: o aumento extraordinário das pensões, a negociação com os profissionais de saúde que privilegie e "remunere bem" a exclusividade "voluntária" de médicos no SNS e a criação de um fundo para habitação e alojamento estudantil. Matérias que, como todos sabemos, o PS resolveu nos oito anos de governo, um deles com maioria absoluta e com Pedro Nuno Santos como ministro das Infraestruturas e da Habitação. É preciso ter lata (desculpem o meu 'francês').

Alexandra Leitão acusou ainda o governo de prever uma "vaga de privatizações" no relatório que acompanha a proposta do Orçamento do Estado para 2025. "Não é usada a palavra privatização", disse, mas está lá "a criação de um grupo de trabalho que vai olhar para o sector empresarial do Estado numa lógica de alienação".

Medo de quê? O papel do grupo de trabalho é identificar as participações estratégicas e as que podem ser alienadas, com estimativa da receita daí decorrente. Até Junho deste ano, o Estado tinha 106 participações directas em empresas, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças. Em 2022, o Sector Empresarial do Estado teve um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros. Parece-me que olhar para isto é uma coisa positiva para o país.

As contas públicas estão voltadas do avesso, com erros e falhas que tornam impossível saber ao certo quais são as receitas e as despesas da Administração Central e da Segurança Social, mas o PS está chateado porque o governo não quer fazer aquilo que o partido não fez quando esteve à frente do país e em vez disso opta por implementar reformas e um modelo de gestão que está na lei desde 2015 e que faz falta a Portugal. Como se diz na gíria, "está bem, abelha".