Este texto faz parte da rubrica Regresso a um Mundo Novo, em parceria com a plataforma 100 Oportunidades, em que vários jovens nos ajudam a pensar o mundo pós-pandemia.


Portugal ignora há décadas aquela que é a sua real vocação económica. O país tem vivido seduzido pela ideia de uma economia exaustivamente globalizada, com longas cadeias produtivas, obcecada pelo (supostamente) inelutável ideal dos preços baixos. Este pensamento está errado, sempre esteve, mas hoje encontrará a reboque do choque pandémico a maior prova do seu colossal falhanço.

Um país com a nossa dimensão, História e saber-fazer não pode viver agarrado a interpretações rígidas de escala e competitividade, como se os limites da primeira não fossem finitos e o único sinónimo da segunda fosse o baixo preço. O foco no benefício para o consumidor final, alegado beneficiado-mor desta política económica errática, tem servido de engodo para justificar o estrangulamento das cadeias produtivas do país, que ao invés de estarem focadas na busca de estratégias de comunicação para fazer ver ao mundo que por cá se fazem alguns dos mais especiais produtos que as mãos humanas conseguem fabricar, estão antes consumidas na busca da famigerada eficiência económica. No final do dia, a troco de um benefício de cêntimos, o consumidor final deixou escapar por entre os dedos novecentos anos de História e o saber-fazer de um povo.

O consumidor é, naturalmente, o menos culpado de uma gigantesca cadeia económica que, no limite, ninguém aproveita. Isto porque, exceção feita aos itens do cabaz alimentar básico, todos os demais artigos seriam passíveis de uma valorização francamente superior, com benefícios para todos. O preço é o primeiro adjetivo do produto e como tal não é um bom serviço ao setor dos queijos regionais anunciar em plena pandemia a redução em 50% do preço destes, quando nem a 100% a cadeia produtiva é condignamente remunerada e sendo a procura destes artigos relativamente indiferente ao preço.

Para o consumidor final comprar barato, mata-se à fome o agricultor, o produtor, o artesão, o distribuidor e o pequeno comerciante, juntamente com as famílias e o seu poder de compra. É um círculo vicioso. Pensa-se em baixar os preços dos produtos, mas não se pensa em aumentar os rendimentos das famílias, qual corrida para o fundo do poço.

É na desmontagem desta gigantesca falácia que a pandemia poderá fazer o seu grande serviço. Foram os pecados da globalização que nos trouxeram até aqui e por isso o mundo está hoje mais sensível do que nunca a redescobrir a produção local, o que é feito à mão e sobretudo o que tem História. É uma oportunidade tremenda para a economia portuguesa, apetrechada de tesouros há muito desvalorizados e cujos responsáveis já não acreditavam viver para ver as suas produções dar o grito do Ipiranga e liderar a recuperação económica do país.

Portugal é um nicho de mercado com um potencial enorme de ser internacionalmente percecionado como um produto de Valor Acrescentado. Quando comparados com espanhóis, italianos ou franceses nunca perdemos na qualidade, mas fomos sempre derrotados no preço. Chegou o momento de acrescentar novos sinónimos à palavra competitividade, de apresentar ao mundo a coligação da História, o saber-fazer de séculos e a inovação que economicamente nos caracterizam.

Os produtores portugueses não precisam de falsas ajudas nem esmolas que os conduzam à morte lenta, para a qual os subsídios são cuidados paliativos. Precisam, isso sim, de uma mentalidade coletiva construtiva da qual todos somos convidados a ser agentes ativos.

Vamos todos, enquanto país, interpretar a oportunidade que uma crise que abala os alicerces da globalização e vem finalmente fazer justiça à genuinidade, que se tornou no ativo com mais procura (e menos oferta) na economia mundial. Portugal tem reservas imensas de genuinidade e compete-lhe agora fazer bom uso delas.

*Tiago Quaresma escreve segundo o novo acordo ortográfico

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