De vários sítios e sob várias formas, têm sido constantes e sentidos os agradecimentos aos profissionais de saúde. Ministros, Presidente da República, jornalistas e demais cidadãos, têm tecido merecidos elogios a médicos/as, enfermeiros/as, auxiliares e todos os restantes envolvidos. Subscrevo os elogios e agradecimentos, mas os verdadeiros heróis são os que ontem foram sair à noite, principalmente os que encheram as ruas do Cais do Sodré. Muito, muito, obrigado pela coragem. Há quem diga que, por vezes, a coragem é proporcional à estupidez. Não é que tenham sempre razão, mas desta vez estão mais certos do que o Rodrigo Guedes de Carvalho de cada vez que ralha com os portugueses.

Estes heróis foram beber copos, foram roçar-se uns nos outros enquanto gafanhotos cheios de corona e egoísmo eram cuspidos de boca em boca, numa orgia de desprezo social e sem quaisquer preservativos de noção, e tudo isto porque fuck the system e carpe diem. Bravos! Porque é que estes jovens, bem doidos, irreverentes, dinâmicos e empreendedores, haviam de abdicar de mais uma incrível noite igual a todas as outras, se o preço a pagar é apenas contribuir decisivamente para a propagação do vírus que é bem capaz de matar os avós deles e dos outros, mas a eles não? Fizeram muito bem. A vida é para ser vivida tão ao máximo quanto o individualismo permitir.

É verdade que muita gente já percebeu a gravidade da situação, que o isolamento social serve para evitar uma catástrofe como a que se vive em Itália, mas isto não quer dizer que os foram sair à noite não tenham percebido também. Perceberam, seguem é uma corrente filosófica diferente, conhecida por narcisismo tão agudo que mete nojo, e que os faz optar pelo método de combate ao vírus pela via da ignorância. Estão à espera que o vírus pense: “Porra! Olha-me estes corajosos mesmo a viver a vida! Ganharam o meu coração, não vou infetar mais ninguém.”. Como à partida o vírus não pensará assim, espero só sinceramente que estas pessoas tenham aproveitado tanto a noite que beberam shots de tequila pelos olhos e cheiraram cocaína pelo rabo. Se é para ser, é para ir até ao fundo.

Por último, mas não menos importante, um grande obrigado a todos os bares que, contra todas as recomendações da parte do governo e até do Ministério da Noção, se mantiveram abertos para ganhar mais uns trocos e uma possível infeção para os seus funcionários.

Enfim, muita coragem para nós todos, porque como percebemos, isto ainda vai piorar muito, e não vamos poder dizer que não sabíamos.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- Estar em Casa: Livro de poesia da Adília Lopes

- Profit over People: Livro de Noam Chomsky.