O meu dia começou de forma estranha. É quarta-feira, e às 10 da manhã encontrava-me no estádio de futebol de um clube rival. Mais estranho ainda, torcia pela vitória caseira. Antes que me julguem vira-casacas, passo a explicar: onde eu estava era nos cinemas do centro comercial Alvaláxia. Aguardava a projecção para a imprensa do filme “Halloween”, que estreará dentro de uma semana. Enorme fã do primeiro “Halloween”, o de 1978, eu queria muito celebrar a vitória desta derradeira sequela; queria aplaudir, queria até fazer a hola mexicana com os jornalistas que me ladeavam na sala. No final, será que o público de Alvalade teve motivo para festejos?
Sobre o filme, escreverei uma crítica na próxima semana. Já que hoje é o meu centésimo artigo aqui no SAPO24, prefiro fazer a festa não com uma sequela (será sequela ou sucedâneo?) dum filme do John Carpenter, mas sim com um filme do próprio Carpenter. Como me tinha proposto a escrever sobre fitas de terror recentes ao longo deste mês, hoje entrego-me a uma obra mal-amada do mestre JC, tão mal-amada que pode ter deixado sequelas (será sequelas ou mazelas?) na actividade do realizador. Talvez a má recepção de crítica e público justifique ter sido esse o último filme que Carpenter fez para cinema, e já lá vão 7 anos. Mas cá estou eu para o contraditório.
The Ward – O Hospício (2010), de John Carpenter
Minha classificação por estrelas: 3 em 5 ✭✭✭✩✩
Sou dessa pequena facção que gosta do último filme do John Carpenter. Não é das suas melhores obras, mas o John fez-se Carpenter com esta coerência invulgar de quem escolheu, sem medos, os medos da série-B. Por falar em coerência, o “The Ward” é um exercício de autoridade. Quando JC teve muito dinheiro para fazer os seus filmes, fez grandes filmes que pareciam caros; quando não teve muito dinheiro, fez grandes filmes que pareciam baratos. A estética da circunstância só funciona em quem é personalizado, e neste exercício de autoridade sentimos isso: personalidade e circunstância. Não há série-B auto-induzida a martelo, nem escapismos computadorizados - há só Carpenter, o velho.
Neste “Hospício”, o terror não é claustrofóbico, mas faz-se da clausura (menos hawksiana e mais fulleriana) à qual basta apenas uma mão cheia de paredes. Paredes que desembocam em mais paredes. É isto mesmo, um filme desenfreado que nos empareda em galerias de betão. Esses corredores são uma espécie de narradores, activos e passivos, que justificam a constante câmara subjectiva. Mas é de velho, isto tudo. Qualquer pirralho do terror hodierno andaria às cabeçadas, aos repelões, aos patins a jacto, por aqueles corredores. Carpenter anda a Carpenter. Connosco atrás da câmara ensina que a loucura é subjectiva. É de velho!
Outra coisa a salientar, é que não se pode repudiar o filme só porque tem um twist final manhoso - mesmo que isso lembre todos os imitadores manhosos dos filmes do David Fincher na segunda metade dos anos 90, ou os “shyamalans dos pobres” (o próprio M. Night Shyamalan é por vezes um shyamalan dos pobres). Não há uma única película do Carpenter que viva em função do seu final, então por que deveria este “The Ward” esgotar-se no climax do argumento? JC é mestre, logo somos obrigados a reconhecer que, neste filme do Hospício, ele quer filmar os elementos da história, não o mero cumprimento de uma narrativa em sucessão. Um guião mediano não se deita logo fora; dá para desenhar na parte traseira das folhas. E que traço tão personalizado tem o mestre.
Sobre a pequena facção de gostadores do “The Ward”, há sete anos o Jorge Mourinha dava a dica no Ipsilon: «os fãs mais novos descartam-no como um falhanço de velhinho moderno, os ferrenhos de longa data aplaudem como um reencontro com as virtudes de um género que tem andado mal tratado». Assim sei o que se passa connosco. É dos velhos.
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