O meu irmão Diogo aconselhou-me, há uns meses, um livro com um tema peculiar: o sono. Fiquei com a famosa pulga a morder-me por trás da orelha. A pulga mordia, mas acabei por não ir a correr comprar o livro — a sugestão lá ficou, arquivada num recanto da memória. O livro, no entanto, não ficou satisfeito. Acabou por vir ter comigo.

Há uns dias, fiz uma viagem em que me aconteceu algo curioso: a meio da viagem, a meio do dia, senti um sono tremendo, muito diferente do sono do fim do dia. É uma necessidade irreprimível de fechar os olhos, um peso sem explicação. É um perigo, como sabemos — e já não é a primeira vez. Sei o que tenho a fazer: paro logo que possível, ponho o banco para trás, fecho os olhos — e durmo profundamente durante dez minutos. No fim, estou acordadíssimo. É um fenómeno peculiar: um sono tremendo, que só me aparece quando conduzo, que passa com 10 minutos de sesta.

Ora, nessa viagem, aconteceu passar por uma livraria. Como quem não quer a coisa, com o tema a picar-me, como pulga, por causa da tal paragem a meio do percurso, os meus dedos deram com o livro que o meu irmão recomendara. O livro chama-se, em inglês, "Why We Sleep". O autor é Matthew Walker. A edição portuguesa é Porque dormimos?, da editora Desassossego. A tradutora é Ana Mendes Lopes.

Enquanto conduzia de regresso a casa, senti não o sono que bate forte, mas desaparece depressa, mas antes uma forte vontade de começar a ler. Quase parei numa estação de serviço para despachar o primeiro capítulo, pensando que a tal técnica dos 10 minutos também poderia servir para a vontade de ler...

Aliás, esta é uma vontade que devia ter um nome: se o sono é a vontade de dormir, se a fome é a vontade de comer, se a sede é a vontade de beber, como se chama a vontade de ler? Assim de repente, vou chamá-la «lede».

Apesar da lede intensa, não parei o carro. Achei que a minha família era capaz de achar muito estranho: se aceitam — e até agradecem — que eu pare quando tenho sono, ficam francamente surpreendidos quando paro e digo: «Desculpem, mas tenho mesmo muita lede!».

«Tens o quê?»

«Lede.»

«Vai mas é dormir.»

Chegámos a casa; era mesmo muito tarde, não pude ler. No dia seguinte, acordo e pego no livro. Como era uma segunda-feira, só pude avançar umas quantas páginas. Andei pelo dia com uma lede imensa e, sempre que podia, lá ia saciá-la por uns minutos. Setembro, com o regresso em força das rotinas, meio emperradas pelo Verão, não é o melhor mês para quem tem este vício.

Ah, mas vale bem a pena andar a matar a lede às escondidas. Fiquei a saber que os elefantes dormem pouquíssimo; os tigres dormem que se fartam (e dos morcegos nem se fala); um golfinho pode dormir metade de cada vez (!); as aves migratórias usam um sono intenso e muito curto para manter o ritmo de voo (será que tenho um pouco de ave migratória em mim?); os bebés, na barriga das mães, dão pontapés durante o sono, porque o mecanismo que bloqueia os músculos quando dormimos não está ainda desenvolvido...

Não quero dar a ideia errada: o livro não é uma colecção de curiosidades. Afinal, Matthew Walker é um cientista do sono, que investiga o fenómeno há décadas. Ficamos a perceber o ritmo do sono, o que acontece no nosso corpo quando nos sentimos sonolentos e o que se passa dentro do cérebro quando estamos a dormir. Ficamos a saber como funciona a memória, quais são as funções das fases de sono por que vamos passando ao longo da noite, o que são os sonhos, quais são os perigos de dormir pouco, o que podemos fazer para dormir melhor. Esta é divulgação científica da melhor: admite sem complexos aquilo que não se sabe (uma das características da verdadeira ciência), explica conceitos complexos de forma clara (mas não necessariamente simples), permite-nos ver como funcionam as coisas. O nosso cérebro, guiado por este livro, vê-se a si próprio e aos mecanismos que tem dentro.

Cheguei ao livro, como tantas vezes acontece, por caminhos travessos: uma recomendação antiga, um sono estranho a meio do dia, uma livraria com o livro certo na estante certa. Talvez seja a vez de esta crónica levar alguém a sentir uma forte vontade de pegar neste livro...

Boas leituras — e bons sonhos!

Marco Neves | Escreve sobre línguas e outras viagens no blogue Certas Palavras. Contou histórias de Portugal em A Baleia que Engoliu Um Espanhol.