Um infetado, seis países em alerta. O que isto diz sobre o Natal?
O presidente francês está infetado com o novo coronavírus. A notícia, que veio esta manhã de um dos mais poderosos países do bloco europeu, atingiu no imediato pelo menos mais cinco líderes — Portugal incluído. António Costa cancelou a agenda que exigia a sua presença física e isolou-se em São Bento, residência oficial do primeiro-ministro.
Esta metáfora dos estados pode servir de aviso. O susto de António Costa (que ainda não está livre de estar infetado, uma vez que o teste, que já estava marcado antes, foi feito muito cedo) veio depois de um almoço com Emmanuel Macron, que se terá infetado com o SARS-CoV-2 no início desta semana.
O Natal está já aí. A dimensão dos nossos círculos de contactos são tanto maiores quanto a dimensão dos círculos de contactos dos nossos contactos e dos círculos dos contactos dos contactos dos nossos contactos. E por aí fora. Vejamos, uma família de quatro pessoas, em que apenas uma trabalha fora de casa, tem uma “bolha” do tamanho da bolha dessa pessoa. E se essa pessoa trabalhar com várias, a sua bolha será do tamanho das bolhas dessas pessoas.
Se essa família, que até se tem resguardado e só tem uma pessoa a sair de casa com frequência, se juntar a outra nas mesmas condições, as respetivas bolhas como que duplicam de tamanho. É este o risco do Natal (o ’New York Times’ tem este excelente trabalho que permite visualizar estas dimensões).
Nas conferências de imprensa das autoridades políticas e de saúde, os jornalistas querem saber como se podem as pessoas proteger — ora porque as casas são pequenas, ora porque não dá para jantar de máscara, ora porque os horários das lojas não dão jeito para comprar presentes... A questão é se faz sequer sentido ponderar um Natal assim: não faz.
Estão a morrer mais de oitenta pessoas por dia em Portugal. Mais de oitenta pessoas por dia por uma doença que pode ser prevenida com meia dúzia de cuidados. Esquecê-los só porque é Natal é achar que os 5.902 portugueses que morreram não valiam assim tanto a pena, porque a tradição e o sempre assim se fez se sobrepõem ao risco real e letal de uma doença ainda longe de controlada.
"Ao renovar, até 7 de janeiro de 2021, o estado de emergência, quero recordar o contrato de confiança que essa renovação pressupõe entre todos os portugueses, ou seja, entre todos nós. Ou celebramos o Natal com bom senso, maturidade cívica e justa contenção, ou janeiro conhecerá, inevitavelmente, o agravamento da pandemia, de efeitos imprevisíveis no tempo e na dureza dos sacrifícios e restrições a impor", disse hoje Marcelo Rebelo de Sousa, na renovação do Estado de Emergência.
O presidente da República defende que todos os portugueses devem procurar cumprir esse "contrato de confiança" nesta quadra, para conter a propagação da covid-19, e volta a aconselhar que "não haja ilusões" quanto ao processo de vacinação: "não haverá senão um número muito pequeno de vacinados em janeiro — os que tiverem recebido a segunda dose a partir de 27 de janeiro —, e, muito menos haverá, nem em janeiro, nem nos meses imediatos, os milhões de vacinados necessários para assegurar uma ampla imunização que trave a pandemia".
"Só o cumprimento desse contrato de confiança poderá evitar o que nenhum de nós deseja: mais casos, mais insuportável pressão nos internados e nos cuidados intensivos e mais mortos. Um contrato de confiança, que não é entre nós e o Estado, o Presidente da República, a Assembleia da República ou o governo, mas entre nós e todos os outros nossos compatriotas", argumenta.
O chefe de Estado adverte para os efeitos que os portugueses "sofrerão na vida, na saúde, no desemprego, nos rendimentos", por causa do que tiverem "feito ou deixado de fazer neste Natal". "Natal que, por definição, é tudo menos tempo de egoísmo. É tempo de dádiva, de partilha, de solidariedade. Que a dádiva, a partilha, a solidariedade neste Natal de 2020 se traduza, no que dependa de nós, em poupar da pandemia os nossos familiares, vizinhos, amigos, que o mesmo dizer, o nosso Portugal", acrescenta.
A melhor defesa do Natal é não haver Natal. É duro? É. Tem um ar de ridículo? Tem. Mas mais duro e ridículo é morrerem mais de 80 pessoas por dia. Desde março, é o equivalente ao desaparecimento completo de terras como a Cuba, Góis, Pampilhosa da Serra, Vila Nova de Paiva, Mesão Frio, Freixo de Espada à Cinta, Alfândega da Fé ou Vimioso — tudo exemplos de concelhos com menos de cinco mil habitantes.
Todos os especialistas reconhecem que o Natal e um momento de grande risco. O próprio governo o sabe, ao cortar totalmente os festejos de ano novo para travar o eventual aumento da consoada.
Se a infeção de um homem, lá longe na França, pôs seis países em alvoroço, imagine-se o que acontece se apenas uma pessoa na mesa da consoada estiver infetada sem o saber?
Enquanto tirava a carta de condução, ainda adolescente com pouca paciência para esperar, o meu instrutor parava-me nos cruzamentos a dizer: Pedro, mais vale perder um minuto na vida do que a vida num minuto. A ideia foi ficando. E hoje vejo que talvez possa valer mais a pena perder um Natal na vida do que a vida num Natal.
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