Houve "justiça" ou condenaram-se os “bodes expiatórios"? 424 dias depois da morte de Ihor, houve decisões em tribunal. Mas o caso não fica aqui

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

A 12 de março, Ihor Homeniuk perdeu a vida no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. Hoje, 424 dias depois do óbito, os alegados responsáveis pela sua morte conheceram as suas condenações perante a justiça.

Descrever todo o processo que envolveu a morte do cidadão ucraniano talvez seja demasiado extenso para os propósitos deste texto — pode consultá-lo aqui — pelo que apresentemos um resumo breve: detido e levado para o Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa, Ihor Homeniuk terá sido sujeito às agressões e maus-tratos de, pelo menos, três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. As lesões infligidas nestes atos terão resultado numa morte lenta, em larga parte por ausência de assistência médica.

Inicialmente registada como morte natural, o caso espoletou a incredulidade nacional quando uma investigação jornalística deu conta da detenção de três agentes do SEF 17 dias depois, por suspeitas de responsabilidade no óbito de Ihor. Além da natureza grotesca da sua morte, os ânimos foram inflamados pela suposta tentativa de encobrimento do caso por esta força policial

Desde então, o caso Ihor teve inúmeras consequências, a começar pela demissão da diretora do serviço à época, Cristina Gatões, e a desembocar numa anunciada reestruturação do SEF — tornando-o no Serviço de Estrangeiros e Asilo e integrando os seus agentes noutras forças policiais — passando pela indemnização da viúva do cidadão ucraniano.

No cerne de todo este tema, porém, esteve o apuramento de responsabilidades quanto a quem terá morto Ihor Homeniuk. A 30 de setembro do ano passado, o Ministério Público formalizou a acusação: os agentes Bruno Sousa, Duarte Laja e Luís Silva seriam acusados pelo homicídio qualificado de Ihor Homeniuk.

Desde então, no decurso do julgamento no Tribunal Criminal de Lisboa — iniciado a 2 de fevereiro —caiu a acusação de homicídio, sendo substituída de ofensas corporais graves, agravadas pelo resultado (morte). Isto significaria, à partida, penas menores que para o crime originalmente imputado, mas a procuradora Leonor Machado pediu para os arguidos Duarte Laja e Luís Silva uma condenação entre 12 e 16 anos de prisão e para Bruno Sousa uma condenação a uma pena de prisão não inferior a oito anos, entendendo-se que o seu grau de culpa foi menor por ter sido influenciado pelos restantes arguidos.

Não foi o que aconteceu. Duarte Laja e Luís Silva foram hoje condenados a nove anos (por terem mais responsabilidade) e Bruno Sousa a sete anos. O tribunal não deu como provada a acusação de homicídio qualificado, tendo também deixado cair a acusação de posse de arma ilegal (bastão extensível) que pendia sobre os dois primeiros inspetores.

No entanto, na leitura do acórdão, o juiz Rui Coelho não deixou de considerar que “a morte de Ihor Homeniuk foi consequência direta da conduta dos arguidos e que tinham o dever de agir de forma diferente”. O texto, aliás, explicita que os agentes, perante o estado do cidadão ucraniano, "sabiam" e "tinham de saber que não poderiam agir como o fizeram", ou seja, "não poderiam bater naquela pessoa, algemá-la, deixá-la assim, prostrada, e abandoná-la à sua sorte, aos cuidados de outros, cuidados esses que, até ao momento, não tinham resolvido a questão".

À saída do tribunal, o advogado da viúva de Ihor, José Gaspar Schwalbach, procurou desviar o tema das condenações serem menores que o previsto, optando antes destacar as condenações em si. "Pelo menos justiça foi feita e as três condenações serviram de exemplo para todos os inspetores, para todos os membros da polícia que fazem o seu trabalho com dificuldades todos os dias mas não podem nunca abusar do seu poder para prejudicar as pessoas", disse.

Já os advogados dos inspetores — que tinham pedido a absolvição dos seus clientes — não só reafirmaram sua inocência, como adiantaram que vão pedir recurso numa instância superior, apesar de concederem ter sido feita “alguma justiça” pelo reconhecimento por parte do juiz de que não existiu homicídio por parte dos arguidos, que foram feitos os “bode expiatório deste processo”.

O caso, por isso mesmo, não vai ficar por aqui. Mas essa não é a única razão: não só o tribunal decidiu extrair certidão para se investigar o comportamento dos vigilantes e dos outros inspetores envolvidos na situação e com funções de coordenação, como a Procuradoria-Geral da República anunciou em abril a abertura de um inquérito pelos mesmos motivos.

Não obstante os próximos desenvolvimentos, hoje, porém, "o final de uma etapa" foi atingido, como disse Schwalbach. Seguem-se as próximas.

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