O salto dos que não querem morrer pobres ali

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

"Não tenho medo da morte, o que me assusta é morrer pobre aqui", diz Amal, de 18 anos, uma dos milhares de jovens marroquinos que correu na segunda-feira para o posto fronteiriço de Castillejos com o objetivo de entrar em Ceuta.

Exausta, com o rosto pálido, Amal tentou a noite toda, mas não conseguiu chegar ao fim da "aventura": chegou tarde e as forças de segurança marroquinas impediram-na de entrar naquele território espanhol já na manhã desta terça-feira.

"Quando soubemos pelo Facebook que as pessoas estavam a entrar em Ceuta sem serem detidas pelas forças de segurança, viemos", explica esta jovem, natural de uma cidade vizinha e que foi para Castillejos atraída, como muitos, pelas impressionantes imagens que passaram a circular nas redes sociais.

Desde segunda-feira, cerca de oito mil emigrantes (incluindo mil e quinhentos menores), um número “recorde” segundo as autoridades espanholas, entraram ilegalmente em Ceuta, a nado, com recurso a embarcações insufláveis ou através de tentativas para trepar as altas cercas fronteiriças que separam este enclave espanhol do território marroquino.

Ao mesmo tempo, na madrugada de segunda para terça-feira, 86 migrantes, de um total de mais de 300, entraram no enclave de Melilla, localizado a 400 quilómetros a leste.

Ceuta e Melilla, as únicas fronteiras terrestres da União Europeia com África, são regularmente palco de tentativas de entrada de migrantes, mas a maré humana de segunda-feira não tem precedentes.

Alguns explicam o fenómeno como consequência do descontentamento na capital de Marrocos, que teria deixado passar os clandestinos, após a hospitalização em Espanha do chefe da Frente Polisário - movimento que há décadas luta pela independência do Sahara Ocidental, que Marrocos considera parte do seu território.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, garantiu hoje que o Governo de Espanha irá utilizar “a máxima firmeza” para restaurar a normalidade em Ceuta, que continuava esta terça-feira a registar novas entradas “por mar” de cidadãos procedentes de Marrocos. À hora em que este texto é escrito, cerca de quatro mil pessoas já teriam regressado ao país africano.

Espanha não concede aos cidadãos marroquinos o estatuto de requerentes de asilo, e apenas permite que crianças migrantes não acompanhadas permaneçam legalmente no país sob supervisão governamental.

Sem relatos de problemas de segurança relacionados diretamente com estes migrantes, vários habitantes de Ceuta admitiram, no entanto, em declarações à agência EFE, que optaram hoje por não levar os seus filhos às aulas, justificando a decisão com o clima de incerteza que, segundo os próprios, se instalou nas últimas horas em Ceuta.

De acordo com a agência Associated Press (AP), um jovem afogou-se na segunda-feira e dezenas de pessoas foram tratadas devido a sintomas de hipotermia.

Muitos migrantes procedentes de África encaram Ceuta e Melilla, outro enclave espanhol situado junto à costa marroquina, como uma porta de entrada para a Europa.

Em 2020, 2.228 migrantes optaram por cruzar estes dois enclaves espanhóis, por mar ou por terra, muitas vezes correndo o risco de morte ou de sofrer ferimentos.

"Não tenho futuro aqui", dizia o jovem Soulaimane, de 21 anos, perto do posto de fronteira a um jornalista da AFP naquilo que poderia ser um resumo de tudo isto.

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