O tema pode ser uma seca, mas as suas consequências ameaçam ser ainda piores

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Foi sendo adiantado desde o início do ano, se bem que soterrado pela força centrífuga das eleições de 30 de janeiro: Portugal enfrenta uma situação de seca que, não sendo catastrófica, ameaça sê-lo consoante a meteorologia dos próximos meses.

À agência Lusa, a climatologista Vanda Cabrinha disse a 18 de janeiro que a situação em Portugal, especialmente no Sul, começava a ser preocupante, se bem que salientando que ainda não tinha chegado aos piores níveis dos últimos 20 anos para esta altura.

Esta situação já se arrasta desde o último trimestre de 2021, sendo “anormal para esta altura”. “Não está ao nível de uma seca como tivemos em 2005. Mas se entre o final de janeiro e fevereiro não houver precipitação, a situação poderá agravar-se imenso”, referiu à época.

Volvidas duas semanas desde essas declarações, o que mudou? Infelizmente, muito pouco. Com a benesse de, ao menos, não ter estragado planos de fim de semana para muita gente, não choveu grande coisa pelo país. Por isso mesmo, o IPMA adiantou no final do mês a previsão de seca "muito provável" em Portugal continental. Se a 27 de janeiro, havia 54% do território em seca moderada, 34% em seca severa e 11% em seca extrema, hoje a situação é ainda pior.

Para "diminuir significativamente" ou acabar com a seca seria preciso que no norte e centro do país chovesse mais do que 200 a 250 milímetros e no sul mais de 150 milímetros, algo que "somente ocorre em 20% dos anos". Este, aparentemente, não foi um deles.

As consequências começam a fazer-se notar. No Oeste, zona habitualmente húmida, há já agricultores a regar as culturas, fazendo uso das reservas de água, já de si, parcas. O mesmo começa a acontecer no Norte do país — especialmente no Nordeste transmontano — e no Sul, tendo a Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (FAABA) alertado que a seca está a afetar “gravemente” a atividade agropecuária da região e reclamou medidas do Governo para apoiar os setores mais afetados.

O problema, todavia, vai para lá dos desafios que os agricultores enfrentam. Há barragens a minguar a um ritmo alarmante, desde o Vale da Vilariça (Bragança) até à Albufeira de Campilhas, no Alentejo, que não vai ter campanha de rega por estar "vazia". Talvez o sinal mais chamativo de todos tenha ocorrido no Zêzere, onde o caudal do rio desceu de tal forma que as ruínas de Vilar, uma aldeia em Pampilhosa da Serra que ficou submersa quando se fecharam as comportas da Barragem do Cabril, passaram a ser de novo visíveis. Em Boticas, as aldeias já estão a ser intervencionadas, com a Proteção Civil local forçada a encher depósitos de água em pleno inverno.

Perante os alertas da Confederação Nacional da Agricultura e de outras entidades, a Direção-Geral de Agricultura ativou planos de contingência nas zonas mais afetadas. O Governo, contudo, foi mais longe, restringindo o uso de várias barragens para produção de eletricidade e para rega agrícola pela voz do ministro do Ambiente.

Para já, há quatro barragens cuja água só será usada para produzir eletricidade cerca de duas horas por semana, garantindo "valores mínimos'' para a manutenção do sistema: Alto Lindoso e Touvedo, no distrito de Viana do Castelo, Cabril (Castelo Branco) e Castelo de Bode (Santarém). Já a água da barragem de Bravura, no Barlavento algarvio, deixou de poder ser usada para rega.

Hoje, foi a vez de a ministra da Agricultura admitir que a seca "é o grande desafio que estamos a viver”. “É um desafio e temos que ter uma resposta. Sabemos que, além da mitigação, temos de nos adaptar às alterações climáticas”, afirmou Maria do Céu Antunes, no encerramento do 8.º encontro de técnicos da Confagri — Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal.

Entre as principais prioridades, a governante destacou o abeberamento animal, o acompanhamento do estado das culturas que não se desenvolveram, o levantamento das necessidades de investimento em transporte de água e compra de equipamentos para o abeberamento do gado.

Parte deste problema poderá ser solucionado com as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência, para fazer investimentos na melhoria das infraestruturas existentes e que permitem melhorar a eficiência no consumo de água. Por isso mesmo, o ministério está a considerar pedir à Comissão Europeia o aditamento dos orçamentos para fazer face a este problema.

Se acha que este é um problema sentido lá longe, no “Interior”, saiba que é possível que venha afetar a sua vida a médio prazo, já que a falta de chuva levou várias organizações de produtores a alertar para os riscos ao nível das pastagens para animais e de culturas como frutas e hortícolas que poderão vir a escassear. Além disso, é muito possível que o seu preço venha a encarecer: se gosta de queijo e derivados, saiba por exemplo que alguns produtores das Beiras e Serra da Estrela já começaram a vender animais por falta de alimento.

No cerne de todo este desafio, todavia, não está apenas a incapacidade infraestrutural do país em lidar com situações de seca e na falta de planeamento. A seca é, em si, um fenómeno cada vez mais comum, e o consenso é que está a ser provocada mais e mais pelas alterações climáticas.

Quando vemos desgraças climáticas a ocorrer noutros países, podemos encolher os ombros e relativizar, julgando-nos seguros pelo anticiclone dos Açores e na certeza de que tais eventos extremos não ocorrem na Europa. Bem, a verdade é que isso já começou a acontecer — basta recordar-nos das cheias na Alemanha ou dos incêndios no Mediterrâneo. 

Estima-se que Portugal seja um dos países europeus mais afetados nos últimos 40 anos por eventos climáticos extremos em termos de mortes prematuras e perdas económicas. Numa lista de 32 países europeus analisados pela Agência Europeia do Ambiente, Portugal ocupa o 5.º lugar em termos de mortes prematuras com 9.267 perdas humanas nesse período.

Por outro lado, os eventos climáticos extremos das últimas quatro décadas custaram ao país 13.461 mil milhões de euros, colocando Portugal em 7.º lugar em perdas económicas, sendo 478 milhões de euros só em perdas abrangidas por seguros (neste indicador, o país ocupa o 16.º lugar).

Com a poeira eleitoral a assentar e um novo Governo prestes a ser formado, será uma vez mais necessário colocar as alterações climáticas no centro da agenda. Os indicadores dados pela falta de atenção ao tema na campanha não são animadores, mas, mais cedo ou mais tarde, teremos de tentar travar esta situação — ou bater de frente.

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