Mais um 1.º de Maio marcado pela distância, desta vez entre os sindicatos e o Governo

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

Se as últimas celebrações do Dia do Trabalhador foram marcadas por imagens de uma Alameda com manifestantes posicionados a regra e esquadro para tentar cumprir ao máximo as restrições de distanciamento social e etiqueta respiratória que o combate ao SARS-CoV-2 exigia, o 1.º de Maio de 2022 deixou cair toda a distância da pandemia, mas trouxe toda uma distância entre os sindicatos e o Governo.

Tal ficou logo patente no momento da chegada de João Torres, secretário-geral adjunto do Partido Socialista, à manifestação em Lisboa, quando este foi cumprimentar Isabel Camarinha, líder da CGTP, nos cinco minutos de conversa que tiveram diante dos microfones da comunicação social.

O socialista ofereceu palavras de compromisso do partido com a "valorização do trabalho" e de crença de "pontos de vista convergentes" com a central sindical, mas recebeu de volta um pedido de  “mudança de rumo” para acabar com “política de baixos salários” e um alerta para a “brutal perda de poder de compra” devido à inflação.

A inflação foi a palavra causadora da distância, sobretudo tendo em conta que ainda na quinta e sexta-feira, nos dias de debate e votação na generalidade da proposta de Orçamento de Estado para 2022, o Governo ter defendido não aumentar salários num clima de incerteza, recusando enveredar em aventuras fiscais.

Perante o aumento da inflação e a ausência de compensações em matéria salarial, a oposição acusou o Governo de apresentar uma proposta de “austeridade encapotada”, exigindo medidas para repor o poder de compra da população.

Confrontado com estas reivindicações de partidos da oposição, mas também de sindicatos, o primeiro-ministro argumentou que por essa via, o país corre o risco de entrar numa “espiral inflacionista”.

Na resposta a estas pressões, António Costa invocou o que aconteceu ao país nos anos 70 e 80 do século passado para recusar um caminho em que as compensações salariais “seriam imediatamente consumidas por novos aumentos da inflação”.

Em alternativa, o líder do executivo defendeu uma estratégia de ataque às causas do aumento dos preços, principalmente bens energéticos e agroalimentares, dizendo acreditar que a atual trajetória de aumento da inflação é transitória.

No entanto, os argumentos do primeiro-ministro parecem não ter sido recebidos de braços abertos pelos sindicatos que saíram às ruas neste Dia do Trabalhador.

“Não aceitamos que o patronato e o Governo usem a patranha de que os aumentos dos salários provocam uma espiral da inflação”, disse Isabel Camarinha perante milhares de pessoas que ali se concentraram depois de participar no desfile do 1.º de Maio da CGTP, em Lisboa, que arrancou do Martim Moniz cerca das 15:15 e chegou à Alameda perto das 17:00.

Isabel Camarinha defendeu que o Governo deve tomar “medidas efetivas sobre o controlo dos preços”, exigindo “o aumento extraordinário do salário mínimo nacional, fixando-o nos 800 euros a partir de 01 de julho de 2022”.

A líder da intersindical reivindicou ainda o aumento extraordinário das pensões “num mínimo de 20 euros” e voltou a exigir aumento salarial de 90 euros para todos os trabalhadores ainda este ano.

Para Isabel Camarinha, “à boleia da pandemia e das sanções, está em marcha uma operação que visa acentuar a exploração” e a proposta de Orçamento do Estado para 2022 “passa ao lado das dificuldades dos trabalhadores”.

"Falam em contas certas, mas quem trabalha e trabalhou vive na incerteza e com a incapacidade de fazer frente às contas de cada mês", sublinhou a líder da CGTP, defendendo que "para uma situação extraordinária" como a escalada da inflação "exigem-se medidas extraordinárias".

"Com o aumento dos preços nestes primeiros meses, os salários e as pensões de reforma já foram comidos em 7%" e "um trabalhador com um salário de 800 euros, já baixou para 744 euros, perdeu 56 euros", afirmou Camarinha.

Já a UGT, pela voz de Mário Mourão, deixou um aviso: “A luta [no próximo 1.º de Maio, na rua] acontecerá se os governos e patrões fizerem orelhas moucas aos salários dignos que exigimos para a administração pública, para o setor privado e para o setor empresarial do Estado”.

Para além da distância entre os sindicatos e o Governo, ficou, mais uma vez, visível a distância entre o Partido Socialista e os antigos parceiros da Geringonça.

Na manifestação de hoje, Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, colocou a atualização dos salários pela inflação e o respeito pelos horários dos trabalhadores como as duas exigências que considera serem transversais a todos os trabalhadores.

Já Jerónimo de Sousa fez questão de destacar que “além da pandemia, das sanções, da guerra”, são “os aumentos de preços, incluindo no plano alimentar, que preocupam os portugueses”.

“Então como é que isso se resolver? Não é com subsídios aqui ou acolá, resolve-se com a valorização dos salários, dos trabalhadores”, defendeu o líder comunista..

Questionado se concorda com o BE, que no sábado acusou o PS de ter fechado “em definitivo o breve parêntesis aberto com a geringonça”, o secretário-geral comunista admitiu que “não foi nenhuma surpresa” o objetivo de o Governo socialista conseguir a maioria absoluta para poder “desvalorizar estas questões que levaram o PCP a tomar a posição que tomou”, de votar contra em outubro a proposta de Orçamento, o que acabou por resultar em eleições antecipadas.

“Em Portugal existe este fenómeno de trabalhar e empobrecer ao mesmo tempo, não pode ser”, lamentou.

O Dia do Trabalhador comemorou-se hoje por todo o país com a CGTP a promover iniciativas em mais de 31 localidades do país e a UGT um debate sobre os desafios do mundo laboral, em Lisboa.

Assim foi o regresso do tradicional desfile às ruas.

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