Uber Files: O que é a nova investigação do Consórcio de Jornalistas e como envolve Portugal?

A investigação

A investigação Uber Files do ICIJ (sigla do consórcio em inglês) – que envolveu 40 meios de comunicação em 29 países (Portugal não está nesta lista de ‘media partners’, embora o caso português tenha sido abordado), analisando mais de 124 mil documentos – concluiu que, entre 2013 e 2017, o então CEO, Travis Kalanick, deu aval a uma estratégia que explorava a violência contra motoristas dos Uber para promover a imagem da empresa contra os taxistas e os governos que criavam problemas ao seu negócio.

Como?

A Uber criou uma complexa teia de lóbi que se espalhava desde a magnatas dos meios de comunicação a primeiros-ministros, passando por ministros, funcionários governamentais e oligarcas, tudo para que a empresa conseguisse expandir o seu negócio, segundo a investigação jornalística.

Que nomes 'grandes' são citados na investigação?

A rede de influência incluiu nomes como os do atual Presidente francês, Emmanuel Macron, na altura ministro da Economia, que foi apanhado em conversas com Kalanick a prometer a proteção do seu Governo contra a campanha dos taxistas franceses à Uber.

Quando, em 2015, a polícia francesa tentou banir a operação da Uber na segunda maior cidade do país, Marselha, um dos lobistas da empresa contactou diretamente o ministro da Economia, e Macron respondeu: “Vou tratar disso pessoalmente. Para já, fiquem calmos”, revelam as investigações.

Outro nome sobressai na lista de figuras que foram seduzidas pela estratégia da Uber é o do atual Presidente dos EUA, Joe Biden, na altura vice-Presidente de Barack Obama, que reuniu por várias vezes com o CEO da empresa e revelou uma trajetória de progressiva proteção dos interesses da organização.

Políticos como o então primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rute, surgem na investigação como conselheiros da empresa, tendo transmitido a Travis Kalanick, em 2016, a recomendação para a empresa “realçar os pontos positivos”, para “ser melhor vista pela população”, mostrando preocupação com os interesses da Uber.

Os políticos que não se deixaram influenciar pela estratégia da Uber eram menosprezados e mesmo tratados de forma rude, como aconteceu ao atual chanceler alemão, Olaf Scholz, na altura presidente da Câmara de Hamburgo, que foi classificado como “um mero palhaço”, por ter tentado exigir um aumento de salário para os condutores dos automóveis contratados pela empresa norte-americana.

Em que contexto é que Portugal surge nesta investigação?

Um dos exemplos apresentados pela investigação do ICIJ - citado pelo jornal The Washington Post, um dos ‘media partners’ nesta investigação - ocorreu em Portugal, em 2015, quando taxistas cometeram “atos de violência” contra motoristas da Uber em diversas ocasiões, provocando ferimentos em vários e levando um deles a ser hospitalizado.

A contestação ao serviço Uber em Portugal, e à falta de regulação da sua atividade, cresceu de tom ao longo do primeiro semestre de 2015, culminando, no final do mês de junho, na confirmação de uma providência cautelar, apresentada pela Associação Nacional de Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL), junto do Tribunal Central de Lisboa, para a suspensão da atividade da plataforma tecnológica.

As ações de taxistas portugueses sucederam-se ao longo do segundo trimestre e voltaram a ganhar dimensão em setembro e outubro, com manifestações que chegaram a ser realizadas, em simultâneo, em Lisboa, Porto e Faro.

Na altura, Portugal estava em vésperas de eleições legislativas, que levaram à mudança de Governo.
A regulação das plataformas tecnológicas para o transporte de passageiros viria a entrar em vigor em 2018.

De acordo com o jornal The Washington Post, que situa a ação em julho de 2015, Rui Bento, à altura gestor da Uber em Portugal, aparece citado num 'e-mail' a colegas a dizer que a empresa estava “a ponderar” apresentar a informação dos ataques e dos ferimentos aos meios de comunicação locais, na altura em que a ANTRAL, a maior associação de taxistas em Portugal, procurava contrariar a estratégia de expansão da Uber.

Na versão de Rui Bento, nas mensagens, a ideia por detrás da difusão das informações dos ataques dos taxistas contra motoristas da Uber era “criar uma ligação direta entre as declarações públicas de violência do presidente da ANTRAL (Florêncio Almeida) e estas ações, para degradar a sua imagem pública”.

Em resposta a esta mensagem de Rui Bento, Yuri Fernandez, gestor de comunicação da Uber, propôs que se investigasse o passado de Florêncio Almeida: “Para ver se temos alguma coisa ‘sexy’ para os ‘media’”, de acordo com os documentos citados pela investigação.

O jornal The Washington Post diz que Bento e Fernandez não responderam aos pedidos de comentários a este caso.

Qual a reação da Uber?

A Uber reagiu a esta investigação através de uma porta-voz, Jill Hazelbaker, que reconheceu que a empresa cometeu “falhas” e “erros”, mas insistindo que essas más práticas terminaram em 2017, quando Kalanick foi substituído no cargo de CEO por Dara Khosrowshahi.

“Hoje, somos uma empresa diferente. Pedimos que nos julguem pelo que fizemos nos últimos cinco anos e pelo que faremos nos próximos anos”, disse Hazelbaker, que assumiu que a empresa “não tentará arranjar desculpas para o comportamento no passado”.

Uma das práticas mais arrojadas foi a de usar as manifestações contra a Uber – muitas delas violentas, com taxistas a agredir os motoristas contratados pela empresa – como forma de propaganda a favor da estratégia de expansão da organização.

Kalanick aparece em várias mensagens a validar e até a promover que os motoristas da Uber fizessem frente aos taxistas, apesar do risco de serem agredidos fisicamente, aconselhando a que se mantivesse “a narrativa da violência”.

Um porta-voz do ex-CEO disse ao consórcio de jornalistas que essas declarações estão fora de contexto e que Kalanick nunca quis colocar em risco a vida dos motoristas da Uber, mas atuais dirigentes da empresa mostraram-se revoltados com estas práticas.

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