O Governo deu, mas as queixas continuam. Como foram recebidos os novos apoios?

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Qual é a notícia?

Apenas dois dias depois de António Costa anunciar perante a Assembleia da República que o Governo estava a considerar novas medidas de apoio às famílias e à economia, estas foram hoje apresentadas.

A reação geral dos partidos e de vários agentes económicos, porém, é que foi demasiado pouco e demasiado tarde. Houve, no entanto, alguém a ficar agradado. Mas já lá vamos.

Que medidas foram apresentadas?

As medidas apresentadas esta sexta-feira pelos ministros Mariana Vieira da Silva, Fernando Medina e Ana Mendes Godinho podem ser resumidas nestes pontos:

  • Redução do IVA dos bens alimentares essenciais — Haverá um cabaz essencial com taxa de IVA de 0%;
  • Apoio mensal às famílias mais economicamente vulneráveis no valor de 30 euros — mais 15 euros por criança;
  • Aumento salarial de 1% este ano para a função pública;
  • Aumento em 80 cêntimos do subsídio de refeição, dos atuais 5,20 euros para seis euros;

Se quiser saber mais sobre estas medidas em detalhe, veja aqui.

Qual foi a reação a este pacote?

A nível político foi globalmente negativa. À previsível exceção do PS, da esquerda à direita houve erros, falhas e omissões apontadas pelos diferentes partidos.

  • O PSD, pela voz do seu líder parlamentar, Joaquim Miranda Sarmento, considerou que os apoios hoje anunciados pelo Governo “vêm tarde”, “são curtos” e “perpetuam o empobrecimento dos portugueses”, dizendo que “ignoram completamente a classe média”.
  • Do Chega, André Ventura disse tratar-se de “um tiro de pólvora seca” e “um exercício de propaganda”, considerando que estes apoios vão “ser muito pouco, um quase nada para os portugueses” face à inflação e à “crise efetiva de rendimentos”. “O Governo, com a receita adicional que teve, tinha o dever hoje de dar muito mais aos portugueses”, atirou.
  • O presidente da IL, Rui Rocha, considerou que as medidas hoje apresentadas pelo Governo representam um “orçamento retificativo”, acusando o executivo socialista de “dar com uma mão aquilo que tirou com duas ao último dos últimos meses”.
  • Da parte do PCP, a sua líder parlamentar, Paula Santos, considera-se que as medidas anunciadas pelo Governo “não só não respondem a este conjunto de problemas, como consolidam o aumento dos preços dos bens essenciais e não combatem a especulação por parte dos preços e dos lucros que muitos grupos económicos têm ganho”.
  • O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, disse que “o Governo andou a brincar, anda a brincar com o desespero das famílias”, constatando que “tinha uma margem financeira, uma almofada financeira que não usou em devido tempo”. “É um conjunto de medidas que são insuficientes e que estão bem longe sequer de retornar à economia, às famílias o que leva porque devolve hoje menos do que a almofada financeira que tem ao seu dispor”, acusou.
  • A deputada e porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, salientou que o partido já propôs o IVA zero para o cabaz essencial nos Orçamentos do Estado para 2022 e 2023, tendo alertado “desde o primeiro momento para o impacto do custo de vida”.
  • Por fim, o Livre, pela voz de Rui Tavares, disse que “o Governo apresenta uma série de medidas que vêm demasiado tarde, constituindo demasiado pouco, que não se entendem bem, e que não vêm na altura certa da curva da inflação”. Comparando o Orçamento do Estado para 2023 a um carro, defendeu que “o Governo travou a fundo para garantir que tinha um défice que na altura esperavam que fosse de 1,9%, numa altura em que a economia precisava de um cheirinho de acelerador”.

E que mais reações houve?

Da parte dos patrões, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, afirmou hoje que a medida anunciada pelo Governo de redução do IVA nos bens essenciais é "ajustada", mas "tardia" neste “momento de enormes dificuldades e ainda maior incerteza”.

Pelo contrário, a CGTP disse que o "pacotinho" do Governo "passa ao lado" das soluções para problemas que Portugal vive, como caracterizou a sua secretária-geral, Isabel Camarinha. Em contrapartida, no seu entender, as soluções passariam pelo “ aumento geral dos salários de todos os trabalhadores, o aumento do salário mínimo nacional, o aumento das pensões de reforma e o controle dos preços, com efetiva taxação dos lucros brutais que as grandes empresas e grupos económicos estão a ter”.

A Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap) e o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), da UGT, não foram tão longe nas críticas, defendendo antes que o aumento salarial adicional e a subida do subsídio de alimentação devem ser retroativos a janeiro. O líder da Fesap e vice-presidente da UGT, José Abraão, considerou que "as medidas são sempre insuficientes" face à "enorme inflação" e às atualizações salariais dos últimos anos, mas valorizou o facto de o Governo ter revisto o acordo assinado em outubro com as duas estruturas sindicais da UGT.

Há ainda a registar as reações de quem opera no terreno dos mais vulneráveis

“Estas medidas não vão contribuir para diminuir as situações de pobreza, vão diminuir a situação de emergência social em que vivemos”, disse a presidente da Cáritas Portuguesa, Rita Valadas, assinalando que as medidas prometidas “vão eventualmente permitir” que algumas pessoas não entrem na pobreza e “diminuir a severidade das situações em que vivem as pessoas cada vez mais vulneráveis”.

A presidente da Cáritas Portuguesa, instituição ligada à Igreja Católica que apoia os mais pobres, “acolhe bem” as medidas, mas alerta para a necessidade de “um grande acompanhamento" das mesmas, da conjuntura” económica, bem como da “coerência entre as medidas e a conjuntura”.

Já Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar, explicou que embora considere positivas "todas as medidas de apoio às pessoas mais carenciadas", esperava que fossem mais estruturais. “Gostaria de ter visto algo que fosse mais estrutural e que permitisse não apenas às famílias que têm baixos salários poderem enfrentar este momento, em que têm uma maior pressão sobre os seus rendimentos, mas que pudessem ter a perspetiva e a esperança de que isto se ia aplicar depois”, observou, continuando: “Em termos estruturais, é muito pobre e não é assim que se combate a pobreza no nosso país”. “Dar agora balões de oxigénio obviamente que é bom, mas não é suficiente”, concluiu.

Quem é que ficou agradado, então?

Marcelo Rebelo de Sousa, ele que esteve em foco nos últimos dias pelas duras críticas que fez ao plano de habitação do Governo.

"Eu, da mesma maneira que critico o que é de criticar, elogio o que é de elogiar. E já elogiei o ministro [das Finanças] Medina há pouco, porque acho que [as medidas] foram bem tomadas, no momento adequado", declarou o chefe de Estado.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o Governo atuou agora porque se percebeu "que não é para já a quebra da inflação" e se comprovou "haver folga" orçamental: "Neste momento estão preenchidas as condições, e não se esperou muito, muito mais".

Interrogado se são suficientes as medidas hoje anunciadas, o Presidente da República respondeu: "Ora bom, isso ninguém sabe. Quer dizer, é o que é possível para este momento. Se são suficientes, depende da evolução do Orçamento no futuro e depende sobretudo de a inflação quebrar ou não quebrar".

*com Lusa

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